Ben Affleck é um caso interessante. Seu início de carreira como ator em filmes como Procura-se Amy (1997), Armageddon (1998), Dogma (1999) o indicavam como um rosto bonito eficiente – sem ofensa – para estrelar blockbusters sem muito a dizer, mas com enorme alcance de público. Ao mesmo tempo, também por essa fase, escreveu, ao lado do amigo Matt Damon, o ótimo roteiro de Gênio Indomável (1997), ganhando o seu primeiro Oscar, e o reconhecimento de que era mais do que apenas a sua aparência. 

Na década seguinte enumerou filmes, com maior e menor sucesso de público, que não foram muito marcantes. Mesmo permanecendo eficiente no que se propunha, a continuidade da carreira de Affleck indicava que ele não tinha muito a oferecer além do que já havia realizado, e que a bem sucedida empreitada como roteirista seria um ponto fora da curva. Só que ele enganou todo mundo. 

Affleck, numa nova fase da carreira, apresentou-se como um diretor acima da média com Medo da Verdade (2007), Atração Perigosa (2010) e principalmente Argo (2012), vencedor dos Oscars de melhor filme, montagem e roteiro. Ficou faltando a indicação a melhor diretor, mas ainda assim seu caminho nessa nova jornada já estava mais do que pavimentado, afinal ele mostrou que é capaz de se reinventar, e de liderar bons projetos. 

Porém, novamente as previsões não se cumpriram. 

Com exceção da boa repercussão em Garota Exemplar (2014), Affleck voltou a encarar um downswing na carreira. Sua última direção, A Lei da Noite (2016), esgotou todos os créditos que conseguiu com a Warner pelos bons filmes que realizara, sendo massacrado pela crítica e dono de enorme prejuízo financeiro. Seus filmes do Batman foram produções conturbadas com desempenho questionável. E até sua vida pessoal, com recaídas no seu notório problema com o alcoolismo, voltaram a rondar o seu nome, mais do que a repercussão de seus últimos filmes. 

Neste momento, mais uma vez não dá pra saber muito bem como vai ser o restante da carreira de Affleck. E neste contexto é lançado Caminho de Volta, dirigido por Gavin O’Connor, em que todos os holofotes estão na figura do ator, que neste filme interpreta um personagem com semelhanças com a sua vida pessoal (alcoolismo), certamente criando um hype diferente para este trabalho. 

Na trama, Jack (Ben Affleck) é um ex-jogador de basquete considerado um fenômeno nos seus anos de colegial, mas que por alguns fatores não desenvolveu carreira como atleta profissional. No momento ele trabalha no ramo das construções num emprego monótono, e está com problemas de alcoolismo, decorrido de um trauma acontecido anos antes. Ele recebe um convite, da escola onde jogava, para treinar o time de basquete do local. Relutante, acaba aceitando, mas os desafios para superar lembranças e dificuldades da sua vida pessoal, além do vício que não para de crescer, irão se chocar com a condução deste seu resgate ao basquete. 

OBJETIVOS CUMPRIDOS SEM MUITA OUSADIA

 

Os paralelos entre Jack e Affleck são notórios, e sem dúvida trazem um tensionamento diferente ao filme. Tudo parece ter um peso maior, mesmo que simbólico, ao vermos o ator em cena, bebendo um gole após o outro, ultrapassando a linha da dependência. Bastidores contam que Affleck saiu de uma última visita a uma clínica de reabilitação, após mais uma recaída, e foi direto ao set para gravar. É claro que não é brincadeira uma situação dessas. 

Como já demonstrou em outras oportunidades, Affleck é um ator capaz de carregar um filme. Seu trabalho é econômico e inteligente – tem consciência, inclusive, deste peso que a sua imagem associada ao álcool traz –, e muito raramente sobe o tom de voz ou usa gestos expansivos. Jack é um homem introspectivo, que guarda sua dor para si, não quer demonstrar para ninguém. A atuação é feliz ao não cair em clichês do que é a representação de um bêbado, trabalhando em um registro entristecido, de um homem que tem o uso do álcool como sintoma de uma ferida aberta na sua vida, que o impede de caminhar para frente. 

Ao mesmo tempo, o filme não tem como objetivo lançar um olhar aprofundado sobre o tema. A direção de O’Connor suaviza os conflitos e a própria representação dos atores, que estão num registro distante da crueza, mais próximo de um tom brando. Caminho de Volta prefere ser um filme edificante para toda a família assistir. 

O uso recorrente de uma trilha dramática tensa a cada momento que o personagem ingere álcool (e são muitos momentos, principalmente na primeira metade), sublinha, de fora pra dentro, o quanto aquilo é grave e prejudicial, num elemento narrativo que não só é desnecessário, como fragiliza as situações que se fossem mostradas de maneira mais crua teriam impacto muito maior. Como se O’Connor sempre visse a necessidade de reafirmar o quanto aquilo é sério e prejudicial ao protagonista, mesmo que já sejamos capazes de entender. 

Considero acertado o tamanho que o basquete tem na trama, desde a dimensão que o time da cidade tem dentro da liga que participa, até o espaço dentro do filme dedicado aos treinos e jogos. Ao mesmo tempo, é importante dizer que as cenas não empolgam. Podem até estar corretas na função que cumprem dentro do roteiro, mas ao mesmo tempo não se configuram como uma potência do trabalho, o que acaba cumprindo papel anticlimático. 

É até estranho falar dos problemas deste filme, pois ele se parece muito consciente do que quer e, justiça seja feita, é bem-sucedido em muitos dos seus objetivos. Só me parece claro que alcança o que quer porque suas ambições estão num campo confortável. A impressão que passa é que Affleck e o roteiro tinham mais a oferecer caso houvesse uma direção com um olhar mais apurado na condução de dramas humanos, pois havia ali um bom protagonista a ser desenvolvido. 

Certamente não vai ser com este trabalho que Affleck irá se reinventar e dar uma guinada na carreia. Mesmo com a sólida atuação, está desamparado por um filme que tem mais cara de drama de TV do que de cinema. Mas é bom vê-lo de volta imerso em algo pessoal, como foram os seus primeiros filmes atrás da câmera. Que seja um disparador para que ele acesse o que tem de melhor no seu repertório, o que refletiria novamente em bons filmes.

CRÍTICA | ‘Deadpool & Wolverine’: filme careta fingindo ser ousado

Assistir “Deadpool & Wolverine” me fez lembrar da minha bisavó. Convivi com Dona Leontina, nascida no início do século XX antes mesmo do naufrágio do Titanic, até os meus 12, 13 anos. Minha brincadeira preferida com ela era soltar um sonoro palavrão do nada....

CRÍTICA | ‘O Sequestro do Papa’: monotonia domina história chocante da Igreja Católica

Marco Bellochio sempre foi um diretor de uma nota só. Isso não é necessariamente um problema, como Tom Jobim já nos ensinou. Pegue “O Monstro na Primeira Página”, de 1972, por exemplo: acusar o diretor de ser maniqueísta no seu modo de condenar as táticas...

CRÍTICA | ‘A Filha do Pescador’: a dura travessia pela reconexão dos afetos

Quanto vale o preço de um perdão, aceitação e redescoberta? Para Edgar De Luque Jácome bastam apenas 80 minutos. Estreando na direção, o colombiano submerge na relação entre pai e filha, preconceitos e destemperança em “A Filha do Pescador”. Totalmente ilhado no seu...

CRÍTICA | ‘Tudo em Família’: é ruim, mas, é bom

Adoro esse ofício de “crítico”, coloco em aspas porque me parece algo muito pomposo, quase elitista e não gosto de estar nesta posição. Encaro como um trabalho prazeroso, apesar das bombas que somos obrigados a ver e tentar elaborar algo que se aproveite. Em alguns...

CRÍTICA | ‘Megalópolis’: no cinema de Coppola, o fim é apenas um detalhe

Se ser artista é contrariar o tempo, quem melhor para falar sobre isso do que Francis Ford Coppola? É tentador não jogar a palavra “megalomaníaco” em um texto sobre "Megalópolis". Sim, é uma aliteração irresistível, mas que não arranha nem a superfície da reflexão de...

CRÍTICA | ‘Twisters’: senso de perigo cresce em sequência superior ao original

Quando, logo na primeira cena, um tornado começa a matar, um a um, a equipe de adolescentes metidos a cientistas comandada por Kate (Daisy Edgar-Jones) como um vilão de filme slasher, fica claro que estamos diante de algo diferente do “Twister” de 1996. Leia-se: um...

CRÍTICA | ‘In a Violent Nature’: tentativa (quase) boa de desconstrução do Slasher

O slasher é um dos subgêneros mais fáceis de se identificar dentro do cinema de terror. Caracterizado por um assassino geralmente mascarado que persegue e mata suas vítimas, frequentemente adolescentes ou jovens adultos, esses filmes seguem uma fórmula bem definida....

CRÍTICA | ‘MaXXXine’: mais estilo que substância

A atriz Mia Goth e o diretor Ti West estabeleceram uma daquelas parcerias especiais e incríveis do cinema quando fizeram X: A Marca da Morte (2021): o que era para ser um terror despretensioso que homenagearia o cinema slasher e também o seu primo mal visto, o pornô,...

CRÍTICA | ‘Salão de baile’: documentário enciclopédico sobre Ballroom transcende padrão pelo conteúdo

Documentários tradicionais e que se fazem de entrevistas alternadas com imagens de arquivo ou de preenchimento sobre o tema normalmente resultam em experiências repetitivas, monótonas e desinteressantes. Mas como a regra principal do cinema é: não tem regra. Salão de...

CRÍTICA | ‘Geração Ciborgue’ e a desconexão social de uma geração

Kai cria um implante externo na têmpora que permite, por vibrações e por uma conexão a sensores de órbita, “ouvir” cada raio cósmico e tempestade solar que atinge o planeta Terra. Ao seu lado, outros tem aparatos similares que permitem a conversão de cor em som. De...