Durante sua residência em Berlin, a cineasta Paula Gaitán decidiu voltar sua lente para a própria família. Ela, tão acostumada a criar retratos cinematográficos intimistas, criou em “O Canto das Amapolas” uma obra altamente pessoal e cheio de mistérios – um filme que se esquiva do olhar como as moscas volantes da visão. 

São vozes que ouvimos, mas elas não vêm de dentro do quadro. Elas não parecem vir de lugar algum. Em off, Paula questiona a mãe sobre as origens da família, judeus imigrantes saídos do leste europeu. Vemos um quarto vazio, cortinas balançando, retratos antigos. A câmera vaga a esmo, recorta alguma composição pictórica, depois se sacoleja e desfaz tudo da nossa vista. 

Uma bengala deixada sobre uma cadeira, um prato largado sobre a mesa: parece haver sempre algo faltando no quadro, como se os objetos fossem um índice do que não está mais lá. “O Canto das Amapolas” se constrói a partir dessas lacunas. O significado completo dessas imagens, só Gaitán sabe. 

Ou talvez não saiba. Talvez seja justamente daí que nasça o impulso de fazer o filme: uma indagação e uma mão estendida. O que nós, diante dessas imagens incompletas, podemos fazer? Só posso deixar que as cores queimem minha retina e me envolvam como um cobertor. O filme todo parece um pouco um sonho do qual não se lembra muito pela manhã, restando só uma sensação no corpo. 

“Tudo é uma ficção”, é dito em dado momento. “Toda explicação do que significa é ficção.” Ora, e não seria a memória a maior ficção de todas? Ao investigar sua família, Gaitán procura uma forma de criar uma imagem da mesma. Se é um filme experimental, “O Canto das Amapolas” é justamente por ser uma busca, um convite à busca. Eu – você – participamos dela.