Qual é a desse Luís Capucho, personagem-objeto de “Peixe Abissal”, de Rafael Saar? Quem é esse homem atravessando a Ponte Rio-Niterói e sonhando com os peixes da Baía de Guanabara, aqueles pobres peixes quebrados e poluídos, que sobrevivem em meio ao lixo Deus sabe como?

Bom, o próprio Capucho lembra um pouco um peixe, com seus olhos vítreos e cansados. E lá vai ele nadando na praia, saindo da água como uma silhueta resplandescente contra o céu dourado (essa e outras imagens lindíssimas, granuladas, hápticas, são cortesia do diretor de fotografia Matheus da Rocha Pereira).

Agora sua silhueta se choca contra a tela de um cinema pornô, o Cine Íris, que frequenta assiduamente. Ele é o poeta das paredes mofadas e das poltronas meladas, cantando alegremente as masculinidades tristes que ali se tomam em comunhão.

Ele é cantor e compositor, esse Luís Capucho, e gay, e soropositivo, e um filhinho da mamãe perpetuamente de pau duro. Também é uma figura impossivelmente, escancaradamente sensível e tenra. A monotonia da sua voz sugere essa interioridade frágil de um beat tardio e solitário, ou de um Nick Drake da Guanabara.

“Peixe Abissal” é um mergulho na cabeça de Capucho. A câmera de Rafael Saar chega tão perto do artista que se vê cada pêlo e cada poro dilatado seu. Não é um procedimento invasivo: é uma câmera interessada, gentil.

O universo de Capucho é composto por pinturas de mulheres coloridas, encontros fortuitos sob a luz vermelha do Cine Íris, coquetéis de remédios e músicas. Tudo resplandece. Trata-se de mais um filme na Mostra que hibridiza o real e o ficcional. Dessa vez, o próprio Capucho nos ajuda a definir: “Faço ficção biográfica”.

Filmes como esse ajudam a ilustrar o porquê da Mostra de Cinema de Tiradentes ser tão generosa: são obras que indagam o espectador sem esperar por respostas certas; que se apaixonam por seus personagens e nos convidam a participar dessa paixão.

Se há algo a ser descoberto com “Peixe Abissal”, é que Luís Capucho é um apaixonado, que canta especialmente para os pixos nos banheiros públicos. Essa paixão merece ser celebrada.