“Ski”, de Manque La Banca (“T.R.A.P” e “Grr”), é uma viagem ao coração obscuro que existe por trás das empreitadas remotas e luxuosas. A co-produção Argentina-Brasil, que estreou na mostra Forum da Berlinale deste ano, mistura as estéticas de documentários, vídeos institucionais, gravações amadoras e filmes de terror para criar um manifesto social fragmentado e irreverente.

Parte do encanto do projeto de La Banca é fruto das maneiras como ele continuamente brinca com as expectativas do espectador, não só chamando a atenção para o fato de ser um filme, mas deliberadamente usando diversas linguagens visuais em transições acachapantes.

Inicialmente, “Ski” se apresenta como um retrato da cultura do esporte na cidade de Bariloche. O que começa como um inocente vídeo institucional dos anos 70, completo com filtro de imagens envelhecidas e entrevistas com os esportistas, vai revelando subtextos sombrios à medida que se aproxima dos trabalhadores do setor de hotelaria da cidade.

Esses jovens fazem parte de uma comunidade local largamente pobre, à margem do luxo dos locais onde trabalham. São eles que alertam os realizadores para os perigos dos monstros dos arredores, como o ser com garras que habita o lago Nahuel Huapi e o Capa Negra, uma criatura de olhos flamejantes que assombra os resorts de ski a noite. A partir daí, o longa ganha um sabor de terror que informa todo o resto da produção.

REGISTRO COMO ATO POLÍTICO

O roteiro de La Banca, a despeito de suas idas e vindas, está claramente focado na realidade que invade tanto a narrativa de sucesso comercial criada ao redor de Bariloche quanto as lendas locais de monstros. Ele traça conexões incômodas entre os ataques contra a população indígena original da região, as perseguições políticas contra militantes, a exploração da classe menos abastada e a opulência do mundo dos esquiadores.

Notoriamente, o diretor, que é natural da cidade, se vê como parte dessa história e aparece em cena em um segmento bem-humorado que serve como um respiro cômico em meio a tanta seriedade. A todo tempo, no entanto, há uma consciência de que o mero registro da situação mostrada em “Ski” é um ato político. Ela é, inclusive, tornada explícita em uma mensagem vocal que contextualiza todo o filme em sua segunda metade.

A abordagem decididamente livre do cineasta tem um lar natural na Forum – mostra mais avant-garde da Berlinale – e se beneficia de um contexto sem distrações de uma sala de cinema. A produção pede uma audiência engajada e disposta a adentrar seu labirinto de referências. Os 75 minutos de projeção de “Ski” podem passar rápido, mas o impacto de sua denúncia contra a violência estatal permanece por um longo tempo.

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