O início de “O Diabo Branco” me fisgou. Uma cena que funciona como um prólogo sem grandes explicações e de rica ambientação e introdução narrativa muito boa. Vemos apenas um homem branco com vestimentas antigas. Ele é prisioneiro de um povo indígena e está sendo levado floresta adentro. Logo em seguida, o rapaz é morto durante um ritual em uma cena arrepiante de apelo gráfico violento, enquanto preserva uma sugestividade. Não é fácil fazer algo assim, e não que o filme precisasse manter esse nível de encenação, mas o restante da obra cai em armadilhas que nem de longe fazem jus a sua cena inicial.

A obra é dirigida pelo argentino Ignacio Rogers em sua estreia como diretor de longas- metragens. Nela acompanhamos a história de quatro amigos: Fernando (Ezequiel Díaz), Camila (Violeta Urtizberea), Tomás (Julián Tello) e Ana (Martina Juncadella)   que decidem passar férias em uma cidade no interior da Argentina, hospedando-se em uma pequena pousada. Fernando passa a ser assombrado por um espírito maligno que ronda o local, colocando em perigo ele e seus amigos.

TERROR PELO MEIO DO CAMINHO

A premissa do grupo de amigos que vai para um local isolado é comum em filmes de terror. Isso por si só não é um problema e parte inicial de “O Diabo Branco” trabalha bem essa interação entre os quatro amigos. A viagem pela estrada até chegar ao local, passando pelos belos e onipresentes bosques argentinos estabelecem bem a perspectiva de entrar em um ambiente desconhecido e que não possibilita controle, como prenúncio dos futuros acontecimentos. É um momento de respiro após o prólogo, enquanto o espectador ainda está impactado.

Ao chegar à pousada, a condução colocada por Rogers até aquele momento se dissipa. Além de perder o equilíbrio entre o explícito e o sugestivo, o diretor parece escolher o pior dos dois para nos conduzir. A sequência de apresentação dos protagonistas com o dono da pousada e sua família não guarda nenhum mistério. Já sabemos que aqueles personagens serão colocados em conflito. Então, quando passamos a entender que o homem que vimos ser sacrificado no início da obra é o espírito que assombra aquela região, o tal Diabo Branco, logicamente passamos a questionar os motivos. 

Após um assassinato no local, causado pela assombração, Fernando passa ser o principal suspeito. Há uma ligação entre ele e o fantasma, seus sonhos são invadidos por aquele mal, o personagem começa a entrar em uma zona de loucura e gerar desconfiança até entre seus companheiros. Esse embate interno a qual Fernando passa é a tentativa do filme de manter aquela sugestividade inicial, enquanto as aparições do Diabo Branco refletem a violência mais explícita. Nenhuma das estratégias funcionam.

A sensação é de que o filme não consegue abarcar as duas possibilidades, como bem fizera em seu prólogo. Todas as cenas com o espírito maligno não reforçam sua presença sobrenatural, ele sempre parece um homem perdido, maltrapilho, e não uma ameaça a qual é difícil escapar. Para um vilão em um filme de terror aparecer tanto em cena, seria melhor uma construção mais violenta. Não se pode preservar a imagem se o mal que o filme quer demonstrar tem tanto tempo de tela. Além disso, não há investimento em sua lenda, não há a sensação de crescimento de sua onipresença, de sua força enquanto um ser maligno e à espreita. Há apenas um homem correndo atrás de algumas vítimas.

FALTA CORAGEM

Já a luta de Fernando para demonstrar sua inocência e lucidez, já que ele é o único que consegue enxergar o fantasma, possui um ritmo muito acelerado. É a partir dele que os questionamentos sobre a narrativa são respondidos. E mais uma vez, “O Diabo Branco” se vê na encruzilhada entre explicitar ou esconder.

Se visualmente a obra opta por um visual mais contido, narrativamente prefere literalmente entregar ao protagonista uma fita com toda a explicação sobre a lenda do Diabo Branco e a cidade onde o filme se passa. Paramos para assistir a uma reportagem sobre o universo do filme. Esse foi o único momento onde me questionei realmente se Fernando não estava louco, já que a fita aparece para ele sem nenhuma explicação.

Seu final poderia ao menos ser mais memorável, há quase uma repetição da ótima cena inicial, tanto na ambientação quanto na progressiva violência. Mas por um detalhe, uma certa falta de coragem para selar o destino daqueles personagens, completa-se o ciclo da obra de falhar em suas escolhas e confiar em seu próprio universo.

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