Um manifesto para mulheres não-conformistas do mundo todo, “My Love Affair with Marriage” levanta o dedo do meio para as expectativas sociais e preconceitos de gênero. O segundo longa de diretora letã Signe Baumane, exibido no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary depois de estrear no Festival de Tribeca e ter uma passagem celebrada em Annecy, é uma animação que questiona o papel sociológico do romantismo sem perder de vista o humor.

“My Love Affair with Marriage” acompanha a história de Zelma (Dagmara Domińczyk), uma jovem que lida com profundos sentimentos de inadequação desde a infância. Independente, valente e particular, ela contrasta com o papel social feminino da sua nativa Letônia. Crescendo em um meio machista que a ensina que casar é o único caminho para a felicidade, ela se lança ao desafio cego de achar um parceiro a todo custo, o que desencadeia uma tragicomédia de erros que se desenrola por décadas.

Com fortes tons autobiográficos, o roteiro – escrito pela diretora – fala de assuntos essencialmente trágicos, como a repressão social do patriarcado e as restrições dos papéis de gênero, mas tudo isso de maneira completamente anárquica. Posicionando Zelma como narradora, a animação tem acesso privilegiado a sua mente enquanto ela delira e confronta os ataques externos à sua individualidade.

Isso se traduz na liberdade com que Baumane povoa esse universo interior: animação tradicional se mescla a fundos tridimensionais e um coro grego dá voz às inseguranças da protagonista através de elaborados números musicais.

TRAUMAS DE UMA VIDA

Além disso, há um forte subtexto científico, com a própria Biologia (Michele Pawk) aparecendo como narradora em cenas que bebem diretamente da estética dos documentários educativos. Ainda que instrutivas, algumas se delongam a ponto de tirar o foco da trama principal e nestes momentos, “My Love Affair with Marriage” parece indeciso sobre a abordagem que deseja levar a cabo.

Durante os 107 minutos de projeção, estranhas formas híbridas aparecem como um motivo visual recorrente, refletindo a ansiedade do filme diante da amalgamação e fusão de personalidades. Zelma anseia por um homem para lhe fazer sentir completa, mas os desenhos da diretora sugerem uma anulação de si própria caso consiga o que quer. O resultado parece o produto de uma realidade paralela, imaginando um filme dark da Disney dirigido por David Cronenberg.

Estereótipos de gênero, de maneira geral, são vistos aqui como conceitos performativos e são exacerbados para fins satíricos. Aos poucos, a forma como Zelda lida com isso vai ocupando o centro do palco de sua história – mais do que suas tentativas falidas de romance. Esse é um desenvolvimento salutar, já que a esta altura, no terceiro ato, a obsessão de Zelma em achar um parceiro já não sustenta sozinha a trama.

Apesar do título, que se traduz como “Meu Caso de Amor com o Casamento”, “My Love Affair with Marriage” não é sobre matrimônio, mas sobre os traumas que ideias como essa podem acompanhar alguém por uma vida inteira. Ele toca em temas queer sem ser panfletário e ainda inclui músicas originais para transmitir a mensagem. A sociologia nunca foi tão divertida.