Em 2008, o produtor J.J. Abrams e seus parceiros, o roteirista Drew Goddard e o diretor Matt Reeves, conceberam Cloverfield: Monstro, uma produção que fazia uso do found-footage, a estética de filmagem encontrada, para trazer um frescor à sua história de monstro. Foi um sucesso porque o público ainda não tinha enjoado do found-footage, mas era um filme meio raso, com personagens superficiais dominados por motivações também meio fracas. Em termos narrativos, podia ser perfeitamente descrito como uma mistura entre Godzilla (1954) e A Bruxa de Blair (1999). Mas era inegavelmente divertido e impulsionado por imagens e um sentimento muito fortes: toda a destruição causada pelo monstro do filme, e gravada pela câmera dos personagens, não passava de uma reconstituição fantasiosa dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York, uma forma da arte e da ficção-cientifica exorcizarem o trauma provocado pelo terrorismo.

O monstro do primeiro Cloverfield representava o medo dos americanos: nunca mais eles veriam um prédio desabando ou uma explosão num centro urbano (especialmente em Nova York, onde o filme se passava) sem pensar antes num atentado. Por isso, o monstro era gigantesco e invencível, e o final da história, sombrio. E, eis que praticamente do nada, Abrams e o novo diretor Dan Trachtenberg trazem Rua Cloverfield, 10, um projeto estranho sem uma definição clara: “Semi-continuação”? Parente próximo do longa de 2008?  Em todo caso, ambos compartilham a exploração do tema do medo do terrorismo.

Sim, do nada, porque na era da informação eles rodaram a produção em segredo e lançaram, a poucas semanas da estreia, um único trailer que não revelava praticamente nada sobre a história. Tudo em nome da estratégia de Abrams de preservar ao máximo as surpresas da plateia. Surpresas, aliás, que não serão reveladas aqui (esta crítica aborda apenas o mais básico da trama, o que dá para se ver no trailer).

A trama de Rua Cloverfield, 10 envolve um grupo de pessoas presas num abrigo subterrâneo. A protagonista é Michelle (a ótima Mary Elizabeth Winstead). O dono do abrigo é um sujeito estranho chamado Howard (John Goodman, cuja escalação é sensacional por levar ao limite a qualidade dele, tão explorada pelos irmãos Coen, de ser tanto simpático quanto intimidador). Howard afirma que o país foi atacado, por uma arma química ou nuclear, e todos na superfície estão mortos ou morrendo. No contexto pós-11 de setembro, e numa situação parecida, qualquer pessoa pelo menos daria a ele o benefício da dúvida, demonstrando o quanto esse tema ainda mexe com o público. E é um medo duplo, pois quando ele fala na possibilidade do ataque ter sido até causado por alienígenas, nós admitimos a possibilidade, por termos visto o primeiro Cloverfield e por ambos os filmes compartilharem essa palavra no título.

Presos praticamente num único cenário, os personagens e o espectador de Rua Cloverfield, 10 e suas interações dirigem o rumo dos acontecimentos. E é fácil embarcar na experiência, pois a situação é crível e compreendemos o medo dos personagens. Ajudam a estabelecer essa credibilidade a direção de arte do longa, que constrói um cenário verossímil do abrigo, ao mesmo tempo aconchegante e tenso (com direito a um papel de parede com listras verticais, como barras de prisão); e o magnífico trabalho sonoro, importante para o suspense (por exemplo, o barulho da porta de aço do quarto de Michelle se abrindo é alto e assustador, o suficiente para deixar qualquer um nervoso). E Trachtenberg se mostra um diretor inteligente, sempre concebendo ângulos e planos interessantes que superam a limitação da pequena quantidade de cenários.

Ambos os filmes são sobre o tema do medo, mas possuem visões diferentes sobre ele. Enquanto no filme de 2008 o medo era invencível, gigantesco e destruidor, em Rua Cloverfield 10 vemos o medo sendo posto, aos poucos, sob controle. Ecos de George Romero e seu A Noite dos Mortos Vivos (1968) podem ser percebidos: quem é mais monstruoso, a ameaça externa ou os seres humanos presos dentro daquele habitat? Ao longo do tempo as tensões explodem entre os três personagens – o terceiro é Emmett, um sujeito não muito esperto vivido de forma divertida pelo ator John Gallagher, Jr. – e essas tensões têm motivações muito humanas, até mesmo sexuais. Mas durante todo o processo a protagonista usa sua inteligência e consegue enfrentar esses temores até os momentos finais.

Rua Cloverfield, 10 acaba sendo um pequeno presente para os fãs do cinema fantástico. Tem tudo que se pode querer de um filme destes: personagens razoavelmente bem delimitados, conflitos fortes, tensão, uma ambientação curiosa e aquela pitadinha de dúvida necessária para manter o público interessado – afinal, o que existe do lado de fora do abrigo? De fato, o filme parece um episódio mais longo da velha série Além da Imaginação, e este é o melhor elogio possível à produção. É uma experiência de gênero que não se preocupa em explicar tudo e que confia na participação do espectador.

Como o anterior, em alguns momentos até se torna meio bobo, mas nunca deixa de divertir, e seria uma boa se o estúdio e a produtora Bad Robot de Abrams pudessem lançar um Cloverfield a cada um ou dois anos, com histórias autocontidas que misturem suspense, terror e ficção-científica e explorem os medos atuais. Uma grife, uma antologia regular no cinema seria uma opção bem-vinda para todos os fãs desse tipo de produção, e vamos ser sinceros, matéria-prima para elaborar histórias não falta.