Há um mal-estar que ronda as grandes cidades, principalmente na América Latina. Uma sensação de estar deslocado, de que a cidade foi construída a partir das violências da colonização e das arbitrariedades do capital. Junto ao mal-estar coletivo, temos indivíduos buscando criar sentido para suas histórias. Há várias formas de se falar sobre essa sensação e “Pajeú” parte para dois pontos pouco usuais de serem vistos juntos no cinema: o terror e o documentário.

Embarcamos na visão de Pedro Diógenes (“Inferninho”), diretor da obra, sobre o mal-estar que ronda Fortaleza (CE). Aqui, encontramos Maristela (Fátima Muniz), uma jovem professora que recentemente começou a ter pesadelos como uma entidade que vive no riacho Pajeú, local próximo à escola onde trabalha. Ela, então, começa uma viagem em busca de entender como esse riacho se relaciona com a cidade e seus habitantes.

Os elementos de terror nas cenas em que Maristela sonha com a entidade são claros. Desde a assustadora figura em si quanto a trilha sonora, presenciamos um cenário dominado mais pela angústia do que medo. Há desespero na reação de Maristela, mas também admiração. A professora, então, torna-se obcecada pelo riacho.

Não sabemos muito sobre seu passado; Maristela parece passar um período de luto que a abate. O interesse pelo Pajeú faz florescer esse sentimento ambíguo na professora que, se em um primeiro momento a afasta de seu melhor amigo, aos poucos a reconecta consigo mesma e com o espaço ao seu redor.

 LIGAÇÕES DE UMA CIDADE COM SEU POVO

Ao adentrar sua busca, o filme coloca-se como um documentário, em uma transição que acontece de forma natural. Maristela busca pessoas que possam explicar para ela a história daquele riacho, especialistas e moradores de Fortaleza. A câmera a segue por trás em suas andanças, como se nos colocasse como a entidade que a persegue, enquanto a professora entrevista suas fontes.

A partir daí, a obra encara o mal-estar coletivo, histórico, que atinge de forma direta e indireta os cidadãos daquele lugar. Descobrimos que o riacho foi muito importante para a construção de Fortaleza, tendo a cidade crescido ao seu redor. Já hoje, padece pelos interesses imobiliários, foi canalizado, sua parte visível é um esgoto a céu aberto. Quando chove, invade residências.

Nessas conversas, “Pajéu” se desdobra sobre a história coletiva e individual, os temores pessoais e os compartilhados. Ainda nos brinda ao seu término, com uma reflexão que poderia soar forçada, mas que construída de forma singela, nos apresenta a ligação do povo com sua cidade, o medo de hoje se fazer presente, mas no futuro não ser mais que um incômodo, esquecido a céu aberto.

‘A Paixão Segundo G.H’: respeito excessivo a Clarice empalidece filme

Mesmo com a carreira consolidada na televisão – dirigiu séries e novelas - admiro a coragem de Luiz Fernando Carvalho em querer se desafiar como diretor de cinema ao adaptar obras literárias que são consideradas intransponíveis ou impossíveis de serem realizadas para...

‘La Chimera’: a Itália como lugar de impossibilidade e contradição

Alice Rohrwacher tem um cinema muito pontual. A diretora, oriunda do interior da Toscana, costuma nos transportar para esta Itália que parece carregar consigo: bucólica, rural, encantadora e mágica. Fez isso em “As Maravilhas”, “Feliz como Lázaro” e até mesmo nos...

‘Late Night With the Devil’: preso nas engrenagens do found footage

A mais recente adição ao filão do found footage é este "Late Night With the Devil". Claramente inspirado pelo clássico britânico do gênero, "Ghostwatch", o filme dos irmãos Cameron e Colin Cairnes, dupla australiana trabalhando no horror independente desde a última...

‘Rebel Moon – Parte 2’: desastre com assinatura de Zack Snyder

A pior coisa que pode acontecer com qualquer artista – e isso inclui diretores de cinema – é acreditar no próprio hype que criam ao seu redor – isso, claro, na minha opinião. Com o perdão da expressão, quando o artista começa a gostar do cheiro dos próprios peidos, aí...

‘Meu nome era Eileen’: atrizes brilham em filme que não decola

Enquanto assistia “Meu nome era Eileen”, tentava fazer várias conexões sobre o que o filme de William Oldroyd (“Lady Macbeth”) se tratava. Entre enigmas, suspense, desejo e obsessão, a verdade é que o grande trunfo da trama se concentra na dupla formada por Thomasin...

‘Love Lies Bleeding’: estilo A24 sacrifica boas premissas

Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e...

‘Ghostbusters: Apocalipse de Gelo’: apelo a nostalgia produz aventura burocrática

O primeiro “Os Caça-Fantasmas” é até hoje visto como uma referência na cultura pop. Na minha concepção a reputação de fenômeno cultural que marcou gerações (a qual incluo a minha) se dá mais pelos personagens carismáticos compostos por um dos melhores trio de comédia...

‘Guerra Civil’: um filme sem saber o que dizer  

Todos nós gostamos do Wagner Moura (e seu novo bigode); todos nós gostamos de Kirsten Dunst; e todos nós adoraríamos testemunhar a derrocada dos EUA. Por que então “Guerra Civil” é um saco?  A culpa, claro, é do diretor. Agora, é importante esclarecer que Alex Garland...

‘Matador de Aluguel’: Jake Gyllenhaal salva filme do nocaute técnico

Para uma parte da cinefilia, os remakes são considerados o suprassumo do que existe de pior no mundo cinematográfico. Pessoalmente não sou contra e até compreendo que servem para os estúdios reduzirem os riscos financeiros. Por outro lado, eles deixam o capital...

‘Origin’: narrativa forte em contraste com conceitos acadêmicos

“Origin” toca em dois pontos que me tangenciam: pesquisa acadêmica e a questão de raça. Ava Duvernay, que assina direção e o roteiro, é uma cineasta ambiciosa, rigorosa e que não deixa de ser didática em seus projetos. Entendo que ela toma esse caminho porque discutir...