Mesmo para os padrões de Hollywood, Val Kilmer teve uma carreira fora do comum. Ele surgiu nos anos 1980 e estourou com sua participação em Top Gun: Ases Indomáveis (1986). Por um período, fez parte da elite de Hollywood e, graças ao seu talento e à sua beleza, virou um mega star. Teve, pelo menos, duas atuações incríveis: em The Doors (1991) de Oliver Stone, no qual viveu o cantor e poeta Jim Morrison, e no faroeste Tombstone: A Justiça Está Chegando (1993), interpretando o pistoleiro Doc Holliday – pode-se incluir entre as injustiças da Academia o fato dela ter ignorado ambas.
Depois virou Batman por um filme, largou o papel, começou a se envolver em polêmicas com diretores e co-astros e adquiriu a reputação de difícil – não há como negar, Val Kilmer foi por um período um cara escroto, com o perdão da palavra. Com o tempo, seu star power foi minguando, os filmes e papéis foram ficando cada vez menores e, em anos, recentes veio um câncer na garganta que praticamente acabou com sua carreira.
Ele se recuperou, mas hoje em dia tem grande dificuldade para falar. Curiosamente, Kilmer passou quase toda a sua vida com uma câmera na mão – primeiro de 8 mm, depois de vídeo e digitais – e gravou vários momentos dessa incrível trajetória. É esse imenso material que serve de base para Val, documentário dirigido por Leo Scott e Ting Poo, produzido pela A24, e que agora chega ao Amazon Prime Video. Para muito além de um registro de bastidores, mais do que um projeto de vaidade, Val é um retrato sensível e interessante de um artista, no mínimo, complexo.
PÉROLA DOS BASTIDORES DE HOLLYWOOD
As imagens gravadas por Kilmer e amigos e incluídas no documentário são incríveis. Podemos vê-lo nas coxias dos teatros da Broadway fazendo brincadeiras com Kevin Bacon e Sean Penn, relaxando com seus colegas de “esquadrão” de Top Gun, ao lado de Kurt Russell no set de Tombstone.
Também é incrível ver o seu vídeo de teste para o papel de Jim Morrison, gravado pelo próprio ator e enviado a Oliver Stone. Desde o início, Val Kilmer se mostrou obcecado pelo papel e conviveu com Morrison na cabeça por quase um ano inteiro, ensaiando as músicas do The Doors e imitando os maneirismos do cantor.
A oportunidade que o documentário dá ao público de observar o lado de dentro dessas produções tão marcantes dos últimos 30 e poucos anos é valiosíssima.
SINCERIDADE COMOVENTE
Porém, tão incríveis quanto essas imagens, são as da vida familiar e intimidade do astro, desde os super-8 da infância quando ele e seus irmãos encenavam cenas de filmes famosos. A difícil relação com o pai e a busca pelo amor da mãe são expostas com sinceridade pelo ator e os diretores, que também são os montadores do documentário.
Vemos Val Kilmer sendo muito simpático com fãs dos seus filmes assim como fragilizado e passando mal durante uma sessão de autógrafos em uma Comic-Con. A maior força de Val reside justamente na disposição do seu biografado em se expor e a honestidade chega a ser tocante em vários momentos.
Para ajudar como recurso no documentário, há um pouco de narração escrita pelo próprio Val Kilmer e narrada pelo seu filho Jack, que tem a voz praticamente igual à do pai, criando o estranho efeito no filme de dar voz a um homem que não pode mais falar direito.
A montagem também é bem fluida, organizando cronologicamente a vida e a trajetória de Kilmer de forma a levar os fãs do ator e interessados nos meandros de Hollywood numa viagem emotiva e que necessariamente deve despertar também um pouco de nostalgia.
PAZ E CONTENTAMENTO
Claro que a honestidade com que o documentário expõe o astro tem outro lado: há sim alguns momentos que dão crédito às acusações de babaquice extrema que lançaram contra Kilmer ao longo dos anos. No segmento do documentário que expõe um pouco dos bastidores da bomba A Ilha do Doutor Moreau (1996), dá para o espectador provar um pouco do gênio difícil de Kilmer…
Em outra cena, com o ator cortando seu cabelo com uma faca (!) em frente à câmera, o ego enorme dele transparece um pouco. Mas, de certa forma, até isso contribui para o impacto do filme, pois demonstra que os diretores se recusam a pintar um retrato unidimensional do seu biografado. Kilmer também é bem honesto quanto às suas dificuldades nas filmagens de Batman Eternamente (1995) e como sua fantasia de infância de viver o super-herói na telona se tornou um tipo de pesadelo criativo para o ator.
Concluindo-se numa nota tocante, Val termina sendo um interessantíssimo projeto: um documentário sobre um astro de Hollywood que poderia ficar na superfície e só elogiá-lo, mas acaba sendo um mergulho na vida pessoal e criativa de uma figura interessante.
Perto do fim, Val Kilmer diz que não se arrepende de nada em sua vida. Assistindo ao filme, quem tem opinião formada sobre ele pode até não mudá-la, mas pode compreender essa declaração do astro e ficar feliz por ele ter alcançado ao menos paz e contentamento em sua vida.