Quantas possibilidades artísticas podem surgir do acaso? E quais caminhos e lugares seguir? E como seguir? “Filme Particular” é um documentário investigativo, que faz do seu processo de busca seu personagem principal. Após comprar um rolo de filme pela internet, a diretora Janaína Nagata descobre que nele há um filme desconhecido, relatado no anúncio apenas como Filme Particular.

Dezenove minutos das filmagens são mostradas na íntegra da obra. A partir de então, inicia-se uma investigação para conhecer as origens daquelas imagens.

O dispositivo de condução da obra é sua edição e montagem assinada por Clara Bastos, emulando uma pesquisa online em tempo real. Não há narração, nem entrevistas. Abre-se uma aba de navegador anônimo no Google e embarcamos juntos ao indicador do mouse passeando pela tela.

Realmente nos sentimos em uma busca online corriqueira que qualquer um pode fazer, extremamente comum no dia a dia. Quem nunca se perdeu em dezenas de abas abertas no computador para realizar uma única pesquisa?

No filme, o contraste entre a apresentação das filmagens em película com imagens de décadas atrás e a tecnologia disposta para análise cria um efeito de comodidade inquietante. Uma filmagem aparentemente caseira perdida no tempo, sendo analisada com uma rápida pesquisa na Internet. Um encontro de ações cotidianas de épocas distintas.

O inquietante se refere a narrativa criada pela diretora que a cada nova descoberta sobre o material torna mais incômodo para quem assiste acompanhar o desenrolar da história.

A voz eletrônica do Google lendo as informações apresentadas, os vídeos no YouTube relacionados ao material, os novos sites abertos para conduzir a investigação. Tudo muito bem arquitetado, para parecer corriqueiro. Um paradoxo que funciona muito bem em “Filme Particular”.

Texto publicado na cobertura do Festival Olhar de Cinema 2022.