“Já perdi a conta de quantas vezes vi A Era de Ultron. Todo ano vejo algumas vezes.” (Trecho da crítica de Diego Bauer para “Vingadores: Era de Ultron“)

A atual onda (interminável) de remakes, continuações e expansões de universos narrativos previamente utilizados em filmes de 20 ou 30 anos atrás há de ser estudada por teóricos e cinéfilos daqui a algum tempo com mais propriedade. Nesse contexto, passado um tempo maior de respiro para reflexão, quem sabe entenderemos melhor o motivo de, em pleno 2015, existir mais um filme da franquia originada em “Jurassic Park“.

O filme original, clássico de aventura inquestionável idealizado por Steven Spielberg, teve seu lugar, nicho mercadológico e importância muito bem delineada em 1993. O storytelling simples, de arcos bem construídos, nunca antes teve um suporte tecnológico tão apurado para traduzir em imagens o que nossa mente podia até então apenas imaginar, e isso fez parte da magia do filme original.

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Hoje, passados vários anos e algumas continuações insossas, essa magia parece pertencer a um doce passado, que gostamos mais de relembrar que aprofundar numa nova continuação dentro do formato de franquia. Os motivos? Basicamente, no caso de “Jurassic World”, um roteiro que insiste em investir num modelo narrativo que, de tão martelado ao público pelas tais infindáveis franquias, torna o filme algo que já vimos várias vezes daquela mesma maneira, como Diego Bauer bem sumarizou no trecho da crítica de “Vingadores: Era de Ultron” que abre esta crítica; e a aposta em efeitos especiais que, por sua vez, também já vimos incontáveis vezes de 1993 pra cá.

Esses dois tripés capengas fazem de “Jurassic World” um filme aquém do que poderia ser. Num ano em que descobrimos ser possível fazer um blockbuster tão bom como “Mad Max: Estrada da Fúria”, o filme de dinossauros não poderia estar mais distante da inovação e bom uso do saudosismo no universo narrativo em que se insere.

Chris Pratt e Bryce Dallas Howard em Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros

Um modelo narrativo que já vimos várias vezes da mesma maneira

Verdade seja dita: o roteiro de “Jurassic World” parece ter tentado algo a mais do básico, mas não muito. Apenas limitou-se a rechear com um ou outro ingrediente uma receita que já consumimos muito no decorrer desses últimos anos, por assim dizer. Só de ver a “fofura” ocasional do bravo Chris Pratt como o protagonista, sem o mesmo fator surpresa que pegou o mundo de assalto em “Guardiões da Galáxia”, ou os cabelos ruivos reluzentes de Bryce Dallas Howard remetendo a uma Julianne Moore “versão business woman”, os sinais de que “Jurassic World” não foi feito para marcar a vida de ninguém dão os primeiros ares da graça.

E o que dizer do uso de atores infantis, que Spielberg tanto adorava e que, pieguices à parte, já nos tocou há algumas décadas atrás? Pelo menos nas mãos dele, um diretor superior a Colin Trevorrow, era possível se envolver no mecanismo narrativo: trazer no público a sensibilidade ímpar dos pequenos para adentrar nos universos fantasiosos, ou lidar com medos em nós incutidos nessa época. Foi um salto arriscado mesmo o diretor ter saído de uma pequena, mas divertida, comédia alternativa como “Sem Segurança Nenhuma” (2012) para esse “Jurassic World”.

O domínio do fantasioso que faltou a Trevorrow poderia gerar uma empatia mais genuína com os dinossauros “adestrados”, por exemplo, ou tornar a aparição da Indominus rex algo mais impactante que uma mera referência a tantos outros filmes, de Spielberg ou não. Em “Jurassic World”, o mal é introduzido em recortes, a partir de closes ou ângulos que só aos poucos dão real dimensão do perigo. Mas, novamente, quantas vezes não vemos isso? Realmente precisamos da trilha instrumental cheia de ganchos em relação ao filme de 1993, abusando dos graves quando a fera cerca Chris Pratt besuntado de combustível para confundir o olfato do animal e se salvar (como se não fosse óbvio que ele fosse se salvar…)?

Resumindo, com Trevorrow e seu roteiro quadrado (escrito a 14 mãos, diga-se de passagem!), tudo se torna uma questão de colocar os elementos clichês dentro da trama (o herói simpático, a mulher decidida, os pequeninos impressionados…) no timing correto do modelo de produção industrial da maioria dos blockbusters atuais. Poxa, há modos de fazer isso sem dar tanto na vista.

Apesar de alguns momentos divertidos (e depois tensos) como o passeio de “carro bolha” no meio dos dinossauros feito por Gray (Ty Simpkins) e Zach (Nick Robinson), no geral, o filme ultrapassa a fronteira da referência e pula para o clichê com muita facilidade. Dessa maneira, o carro bolha vira bola numa verdadeira “pelada” entre dinossauros, a edição acelera os cortes, a música estoura e os meninos fazem a escolha mais ilógica (sair do veículo) para que a trama possa continuar e Chris Pratt ter o que fazer.

Crítica com Spoilers: Jurassic World, com Chris Pratt

A aposta em efeitos especiais que já vimos incontáveis vezes

Que admirável o trabalho de planejamento e design do Indominus rex. Tal como os veículos pós-apocalípticos de “Mad Max: Estrada da Fúria”, percebe-se uma cuidadosa pesquisa para elaborar esse “personagem” elementar do novo “Jurassic World”, verdadeiro condutor da trama, apesar dele estar sempre envolto em mistério. As referências às demais feras do passado e do presente que compõem seu DNA não surgem ao acaso, e é possível quase perceber no filme a empolgação da equipe responsável pela concepção do animal.

Da mesma forma, a apresentação das atrações do parque que dá nome ao filme também demonstra cuidado. O conteúdo interativo que traz várias informações sobre os dinos, inclusive com hologramas dos animais e a integração dos animais vivos em um paralelo com parques como o Sea World são realmente interessantes dentro do que se espera de um filme do gênero, apesar de fazer pensar no quão questionável é manter animais (mesmo esses que nem existem) em cativeiro para fazer macacadas para pagantes… Enfim, essa é outra discussão; vamos tentar nos ater aos pontos principais do filme, ok?

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Continuando… Nosso imponente vilão carece de algo que o sustente com mais propriedade, tal como seus colegas de elenco: um roteiro que aprofunde sua função narrativa e dê carga emocional para sua interação com o ambiente. Em “Jurassic World”, a fera de inteligência ímpar é tão empolgante quanto um Ultron em “Vingadores 2”, sendo nada além de um vilão poderoso que nos assusta em diversos momentos e sobre o qual não pensaremos sobre depois das quase duas horas de filme.

É dessa maneira que as fantasias elementares do sonho infantil de ver dinossauros, interagir com eles e fugir do perigo que eles representariam a nós são aqui despidas de sua inocência. “Jurassic World” não diz “pague para viver esse sonho”; ele diz apenas “pague”. Podemos pagar por algo mais interessante.

Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros