Há thrillers de mal-estar social e há “Propriedade”, um mergulho em um lamaçal de ressentimento inter e intra-classe. Malu Galli protagoniza o longa de Daniel Bandeira como Teresa, uma mulher lidando com o estresse pós-traumático após ser feita de refém. Ela se retirou para uma vida confinada, isolada atrás das paredes de sua cobertura. 

O marido a convence a uma visita à fazenda herdada da família. Para o percurso, ele prepara uma surpresa: a blindagem de seu carro, impenetrável, uma fortaleza hi-tech sobre rodas.Na fazenda, os trabalhadores descontentes descobrem que serão enxotados para dar lugar a um hotel. A situação se complica e pouparei os detalhes, mas digamos que o carro blindado se torna o único obstáculo entre Teresa e os furiosos trabalhadores. 

O público a “Propriedade” reagia audivelmente ao meu redor, com gritos de susto, risos de nervoso e suspiros de surpresa. Isso se dá porque Daniel Bandeira claramente conhece as maquinações do gênero – um filme com duas tomadas de split diopter (uma lente convexa pela metade colocada na frente da lente principal da câmera, dando foco tanto ao que está mais próximo como no fundo do quadro) está fazendo algo certo. 

Mas falta óleo às engrenagens de sua narrativa: depois das primeiras guinadas da trama, “Propriedade” ameaça estagnar. Se não acontece, é graças à performance de Zuleika Ferreira como Antônia, que se torna uma espécie de líder dos trabalhadores. Ferreira tem os lábios sempre comprimidos e os olhos pesados, como os de alguém que sofreu tempo demais para desistir no último instante. 

Fosse menor a duração, o filme potencializaria ainda mais o efeito montanha-russa que almeja, como bom filme de gênero que é. Também tenho lá meus problemas com o final, abrupto demais para o meu gosto. Mas é inegável o talento de Bandeira para criação de imagens – já mencionei que há dois planos com split diopter?