É normal se sentir sozinho e isolado no fim da adolescência, principalmente se você for um canibal. “Bones and All”, novo filme de Luca Guadagnino (“Me Chame Pelo Seu Nome”), explora o estranhamento da juventude através de um ângulo novo, com saudáveis pitadas de gore. O longa, ganhador do Leão de Prata em Veneza, foi exibido no Festival de Londres deste ano. 
 
Em meados da década de 80, Maren (Taylor Russell) é abandonada pelo pai aos 18 anos. O motivo? Ela é uma canibal cujos incidentes os tornaram eternos fugitivos da lei. Decidindo procurar a mãe para entender quem é e de onde vem seu estranho apetite, ela encontra Lee (Timothée Chalamet), outro canibal. É amor à primeira vítima – e eles se veem descobrindo desejos e sentimentos em uma jornada a dois. 
 
O roteiro, adaptado do romance de Camille DeAngelis por David Kajganich (em sua terceira parceria com o diretor), posiciona “Bones and All” claramente dentro do universo dos road movies. Como todo bom longa do gênero os protagonistas aqui não estão somente viajando por um espaço físico (neste caso, o meio-oeste americano), mas também dentro de suas psiques. 
 
Maren está em busca de um senso de origem e de pertencimento que nunca teve por conta da mãe ausente e da vida de fugitiva. Ela também está negociando os limites morais da sua fome e até onde ela está disposta a ir para saciá-la. 
 
Por sua vez, Lee tem uma visão bem mais simplificada da sua condição, mas o filme lhe dá vulnerabilidade ao conectá-la a um passado de abuso e pobreza. Ambos estão tentando superar traumas geracionais, mas suas diferentes abordagens os fazem entrar em conflito ocasionalmente. 

UMA FÁBULA DARK

No entanto, Guadagnino passa longe da simplória saída de usar psicologia para explicar seu casal 20. A leitura é a de que esse comportamento tido como monstruoso também pode ser extremamente profundo e algo que os torna únicos em um mundo hostil – como uma tribo ameaçada. Em resumo, eles contra o mundo, como um bom romance gótico. 
 
Ainda que as cenas românticas tenham um quê de comum (para além das tripas), o longa faz bom uso de ambientação e simbolismo para retratar uma juventude transviada. Não há como não ver o canibalismo da história como uma alegoria da alienação do início da vida adulta. 
 
Assistir ao desespero de Maren é como lembrar de um momento em que ninguém compreendeu um desejo ou necessidade sua. E ver a relação dela com Lee é como lembrar da única pessoa que entendeu você. Sentimentalismos à parte, “Bones and All” é uma fábula dark, mas suas reflexões são carregadas de realidade nua e crua.