Desde o piloto, “The Last of Us” demonstrou disposição em criar paralelos com o mundo real ao espelhar o surto apocalíptico com a pandemia da Covid-19. Agora, a série da HBO amplia a proposta para jogar uma tonelada de provocações sociais e políticas em um terceiro episódio grandioso e, acima de tudo, ousado. 

Afinal, estamos lidando com uma adaptação vigiada a cada passo em que os fãs exigem fidelidade praticamente absoluta. Se os dois episódios iniciais serviram para fisgar este público, “Long Long Time” vai na contramão ao propor um caminho completamente diferente para Bill (Nick Offerman). Continua lá o sujeito armado até os dentes e paranoico. A diferença fica por conta de Frank (Murray Bartlett) que mal aparecia no jogo. Aqui, eles formam um casal inusitado no meio do fim de tudo. 

Levando em consideração que o mundo gamer virou um espaço prolífico para a extrema direita emplacar seus discursos retrógrados, especialmente, os misóginos e homofóbicos – ainda que não seja possível generalizar, claro, a experiência brasileira com a força de Bolsonaro e a ressonância de Steve Bannon nos EUA deixaram marcas na imagem pública no setor – “The Last of Us” dá um passo arriscado e corajoso neste sentido. Bill não fugiria de muitos incels da vida, odiando tudo e todos por seus próprios dilemas, isolados em paranoia de Novas Ordens Mundiais e símbolos radicais espalhados pela casa.  

A chegada de Frank, porém, coloca esta redoma de verdades absolutas em cheque: só de deixar entrar na casa superprotegida e fazer uma refeição com todo o cuidado para a visita, Bill revela uma fragilidade desconhecida até por ele mesmo. Aqui, há de se exaltar as atuações de Offerman e Bartlett: conhecido por comédias como “Parks and Recreation”, o ator oferece uma desconstrução comovente de Bill em que gradualmente se permite amar e ser amado, cuidar e ser cuidado, mesmo mantendo a cara fechadona e a paranoia sempre dando sinal de vida. Já Bartlett segue a grande parceria com a HBO após a excelente primeira temporada de “The White Lotus”, sendo a figura solar de um relacionamento lindo com um desfecho para fazer homofóbicos sentirem vergonha de quem são. 

Dando um aceno para os fãs xiitas, Craig Mazin ainda demonstra inteligência ao amarrar a história do casal com a jornada principal da trama de forma habilidosa. Bill define a missão de vida de Joel (Pedro Pascal) em um momento que certamente irá ecoar por toda a série. Entre ser uma obra zumbi com o comodismo de uma fria adaptação fiel ao game dando sustos ali e acolá em competentes cenas de ação ou terror, “The Last of Us” pulsa ao se posicionar diante do mundo caótico dos nossos tempos sem medo das consequências ou rejeições que possam vir.