Ser criado em um lar disfuncional é quase certeza de uma vida adulta marcada por traumas e angústias existenciais. Quando este mesmo lar tem em seu alicerce a figura de um homem, o patriarca com todo o seu exemplo machista e de masculinidade tóxica, esses traumas se elevam à potência máxima.

Crises familiares, volta ao passado, resoluções em aberto e feridas não cicatrizadas são temas que nunca saem de moda no universo cinematográfico; grande parte da população tem seus problemas e anseios no que tange a família. Hollywood entra ano sai ano explora essa vertente (quase um gênero) muito forte; sempre há alguém que se identifique com o que está sendo narrado, afinal, são impactos que não se curam ao longo do tempo, ainda mais em um lar com uma pessoa que é o símbolo da casa ser alguém violento e agressivo. Haja terapia e conversa consigo mesmo para tentar compreender o que se passa consigo por conta das aflições existenciais que lhe causam um desconforto em ser e estar.

Uma pena que Rodrigo Garcia (“Albert Nobbs” e filho do gênio Gabriel Garcia Marquez nas horas vagas) não conseguiu captar toda essa essência em “Raymond & Ray”, novo filme da carreira protagonizado por Ewan McGregor e Ethan Hawke. Dois meios-irmãos de meia idade, distanciados pela vida, mas que se cruzam novamente ao receber a notícia da morte do pai, um homem violento, agressivo e muito aquém de ser considerado um bom exemplo paterno. Mais que isso, eles são filhos de suas amantes e tem o mesmo nome, daí o título do filme e da essência desse homem. O falecido (Tom Bower) deixa em testamento que eles devem cavar a sua própria cova e carrega-lo em um caixão simples.

Ao chegarem à cidade o desconforto desses irmãos só aumenta quando percebem que todos que conviveram com ele têm boas histórias, considerado um idoso divertido, sábio e exemplar. Quem era esse homem afinal de contas?

MARASMO TOTAL

Em meio às dores do passado que não se curam e transformaram esses irmãos em figuras distantes – Raymond (McGregor) é o arquétipo do homem que deu certo: tem emprego, é um sujeito metódico, aparentemente centrado, mas, com três casamentos fracassados – um deles, inclusive, por culpa do pai. Já Ray (Hawke) é o rebelde, tatuado, ex-viciado, armamentista, irônico e sem papas na língua. A dupla começa a entender que a função deles ali é além de cavar a própria sepultura do pai e enterrá-lo, mas, também deixar tudo de ruim nas marcas profundas das feridas que nunca se curaram. Um acerto de contas tardio entre eles e sobre eles mesmos, afinal, toda a capacidade que poderiam ter se esvaíram por conta desse pai.

Ao falar dessas dores familiares, reencontro com passado e redescobrimento de si, Garcia não pretende inventar a roda e nem trazer nada de novo. Porém, “Raymond & Ray” cai em um marasmo de plot twists desnecessários e alívios cômicos que não se encaixam nessa dramédia. O filme vale mais por conta da sintonia entre Hawke (bem à vontade no papel) e McGregor (ligado no automático e que pouco acrescenta) e no desperdício de talento como de Sophie Okonedo. Quem rouba a cena é Maribel Verdú em um tipo livre e desimpedida.

No fim, é um filme que não se decide se quer ser um Comfort movie, funeral movie, dramédia ou simplesmente contar uma boa história. “Raymond & Ray” sai do nada para lugar nenhum e, ao subir dos créditos, você fica como Ewan McGregor: completamente apático.