*texto com spoilers 

Já está entre nós “Wakanda Para Sempre”, a tão aguardada continuação de “Pantera Negra”, filme de 2018 que elevou a Casa das Ideias a outro patamar, adicionando três estatuetas do Oscar a esse campeão de bilheteria de crítica do universo cinematográfico Marvel. Para além de filme-tributo, atravessado pela necessidade de firmar a memória de Chadwick Boseman que morreu tragicamente no ano passado, a continuação tem a incumbência de assegurar a continuidade da saga dos Panteras Negras nos cinemas – e de quebra tirar do limbo a Fase 4. 

Ou seja, o peso do mundo recaiu nas costas de Ryan Coogler, diretor do primeiro filme e que retornou, com quase toda a equipe original – incluindo a premiada figurinista Ruth E. Carter -, para o universo mítico da nação mais poderosa da terra, uma pérola de tecnologia e ancestralidade no continente africano. As cenas iniciais de “Wakanda Para Sempre” levam às lágrimas e convencem de que o tom épico, solene, será imprimido no filme do começo ao fim. 

Empolga a maneira com que Coogler filma e narra as imagens, trazendo uma perspectiva diaspórica que desconstrói estereótipos ao mesmo tempo em que propõe uma representação decolonial a partir de um olhar de esplendor e dominância negra, que vai revolucionar e se opor ao padrão na indústria cultural e politizar as relações de olhar – citando, inclusive, bell hooks. 

Também se destaca a primeira sequência de ação, que apresenta o grande antagonista da trama, o príncipe submarino Namor (vivido pelo ator de origem asteca Tenoch Huerta) e sua tropa defendendo uma reserva de Vibranium no fundo do oceano. Aliás, a apresentação de Namor – visto como Kukulkan ou o Deus serpente emplumada – e do reino submerso de Talokan é uma das melhores coisas do filme, colocando a majestosa cidade de origem maia como uma equivalente de Wakanda, por meio da releitura da origem de Namor que agora é um ameríndio. 

AS FALHAS DA CONTINUAÇÃO 

A missão quase impossível de Coogler e do co-roteirista Joe Robert Cole começa a apresentar falhas na terça parte do segundo ato de “Wakanda para Sempre”. Com a saída de cena da grande rainha Ramonda – vivida por uma Angela Bassett espetacular, régia -, a tensão entre a nova protagonista, Shuri (a negacionista da vacina Letitia Wright) e Namor se sustenta de forma débil até o momento em que ela precisa responder ao chamado do deus pantera Bast e assumir o papel de heroína.  

O principal problema é a falta de uma estruturação melhor na história, por mais simplista que seja. Nem o elenco (especialmente o feminino) incrível com Danai Gurira e sua Okoye servindo às vezes de alívio cômico, Winston Duke e seu enérgico MBaku, a grandiosa Lupita Nyong’o como Nakia ou mesmo a adição de Michaela Coel como Anelka ajudam a elevar a qualidade aqui.  

Por mais pertinente que seja para a máquina de moer dinheiro da Disney em introduzir novos personagens, a chegada da Coração de Ferro Riri Williams (Dominique Thorne) não convence nem o fandom mais apaixonado dos quadrinhos, de tão atropelada e rasa que é. No clímax, a “Wakanda Para Sempre” já se encontra tão rocambolesca que fica realmente difícil tirar alguma empolgação da experiência, até mesmo a passagem de bastão, o mergulho de Shuri no ‘mundo dos mortos’ de Rei Leão ou Wakanda, com direito a uma ponta de Killmonger (Michael B. Jordan), não tem o impacto devido.  

Shuri “se lembra de quem ela é”, acessa a ancestralidade e faz uma escolha importante que vai demarcar o futuro de sua nação e a forma com que vai governar. Mas fica por aí. Tudo soa meio frouxo, artificial e desprovido da emoção que era tão frequente no primeiro filme. 

POR MAIS PRODUÇÕES COM REALIZADORES PRETOS 

“Wakanda Para Sempre” traz a mulher negra em signos de vitória quando ela costumeiramente é representada em signos de derrota. A frase é de Djamila Ribeiro. A filósofa foi convidada para ser embaixadora do filme no Brasil e participou de um bate-papo após a exibição para a imprensa, onde destacou que o subtexto político destaca a importância da união entre os povos, a luta transnacional da qual falava Lélia Gonzalez em seus escritos. 

O empresário norte-americano David Wilson, também participando da conversa, falou que as piadas entre colonizador e colonizado e a inversão de papéis entre os mesmos foram bem encaixadas no enredo. Ele reforçou ainda que, para se ter mais filmes como este, é necessário mais diretor e roteirista pretos. 

Um comentário pertinente sobre o discurso ideológico e como que a Disney/Marvel não dão ponto sem nó no quesito diversidade ou, pelo menos, tentam ouvir o clamor das redes e dar certa liberdade a seus criadores como Coogler, demarca “Wakanda Para Sempre” como uma iniciativa mercadológica sim, mas ainda louvável por todos os significados que traz e a mensagem. E que não só essa produção, mas como outros produtos, inclusive nacionais, tragam narrativas diaspóricas e pretas sejam cada vez mais produzidos, consumidos e vistos.