“Um clássico é um clássico”, já diz o ditado popular que ilustra a potência e toda magnitude de algo que por ser muito bom, está acima de quaisquer argumentos contrários aos demais. É um clássico, afinal. Intocável e irretocável. Esse ditado popular pressupõe excelência e representa o máximo absoluto que um artista pode oferecer, aqui, um diretor.

Pois bem, e quando há aqueles que não conseguem se conectar com os clássicos? Como é que fica? Será a pessoa menos inteligente que os demais? “Não entendeu o filme, assiste de novo”, é uma frase clássica! Será que a pessoa tem menos sensibilidade, não estava em um bom dia, não gostou do contexto, não se conectou ou o filme é cult demais para ela? Xi…

O fato é que há sensações e emoções são subjetivas e muito particulares. Obviamente um grande clássico não está imune a críticas. É preciso compreender para além do Olimpo em que muitos filmes são colocados no topo. Não é questão de não entendimento, nem há a necessidade de “retirar a carteirinha de cinéfilo” em mais um ditado popular quando alguém contradiz o tão imponente “um clássico é um clássico”. E para além desse clássico, o que você realmente compreendeu do filme? Ou será que vamos em efeito manada para não contrariar a multidão para não retirar a nossa carteirinha de cinéfilo convicto?

ELENCO FABULOSO

“Short Curts – Cenas da Vida” (1993), um clássico orquestrado por um dos diretores mais instigantes, Robert Altman (“Nashville”, 1975; “Prêt-à-Porter”, 1994; “Assassinato em Gosford Park”, 2001, só para citar alguns de sua extensa e diversificada filmografia), entra nesse quesito. Baseado em uma série de contos de Raymond Carver, o filme é considerado um clássico moderno, bruto, longo (muito longo, aliás), mas que não dialogou bem comigo. Devo me desculpar? Me retirar daqui do Cine Set? Devolver a minha carteirinha?

Calma!

O filme é realmente interessante: diversos personagens com suas histórias particulares que se interconectam. A complexidade dos detalhes da vida na sua rotina, no seu comodismo, no acaso, nas frustrações da vida, nas traições, nos pensamentos e, sobretudo, nas ações que recaem não apenas na pessoa, mas em outras pessoas ao redor e até mesmo na coletividade, pois vivemos assim. São histórias que se costuram e demonstram que a vida é feita de escolhas, (in)fidelidades e acasos e todas essas questões, mais cedo ou mais tarde, poderão ser cobradas; para cada ação há uma reação, mais um ditado popular certeiro.

Mas o que me fez não me conectar a “Short Curts – Cenas da Vida”? Talvez o tempo em pouco mais de 3h de duração? Cenas fillers que nada influenciam no resultado final? Ou em algum momento, penso, ele se perde e se arrasta girando em círculos enfadonho? Ou talvez tudo isso junto?

O elenco é de primeira, isso é inquestionável: Julianne Moore, Andie MacDowell, Madeleine Stowe, Frances McDormand (nunca esteve tão linda), Peter Gallagher, Jennifer Jason Leigh, Robert Downey Jr., Tim Robbins, Jack Lemmon, Lili Taylor, Lily Tomlin, Anne Archer, Fred Ward e mais uma lista enorme de desempenhos regulares, bons e excelentes. É uma graça ver Lemmon em cena como um suposto alívio cômico para depois protagonizar uma das cenas mais verdadeiras em seu quase monólogo em cena com Bruce Davison.

SUJEITOS IMPERFEITOS

Dentre todos os plots, o que mais me chamou a atenção foi da musicista Zoe (Lori Singer) e de sua mãe cantora de bar, Tess (Annie Ross), há uma verdade genuinamente sufocante na relação das duas. Muitas coisas não ditas, outras ditas de maneira errôneas que se tornam uma armadilha. E o quando não há mais apoio, apenas críticas, deboches e uma sensação de deslocamento, o que resta senão a saída de emergência?

Altman mostra a sua visão desses sujeitos imperfeitos, nas vidas imperfeitas e nos seus devaneios que ressoam não apenas em si, mas no outro. Há diversas cenas em que ele demonstra o machismo em seu estado máximo: a cena de Gallegher, ex-marido da personagem de McDormand que não aceita o fim da relação e de como ela está seguindo em frente. E em uma viagem dela com seu novo caso junto com o filho do casal, ele aproveita e destrói a casa inteira. E o momento em que o personagem do Chris Penn saturado pelo emprego da esposa (Leigh), uma atendente de tele sexo joga todas as suas frustações e ódio em outra pessoa. Cruel.

É curioso pensar que “Short Cuts” foi a principal inspiração de Paul Thomas Anderson para compor “Magnólia”, um festejado filme que simpatizo muito. Aquela velha história quando a cópia sai melhor que o original, sabe? Não que o clássico de PTA seja uma cópia, não me entenda mal, é só um modo de expressão.

Minha sugestão? Que assistam “Short Cuts – Cenas da Vida” e tirem suas próprias conclusões. Pois a experiência cinematográfica aqui é, no mínimo, interessante.