Em “Sorria”, a terapeuta Rose Cotter (Sosie Bacon) passa seus dias enfurnada no hospital. Sua dedicação ilimitada aos pacientes deriva de uma tragédia pessoal: aos dez anos, ela testemunhou o suicídio da mãe. 

Uma jovem assustada (Caitlin Stasey) chega à emergência, dizendo estar sendo acossada por algo capaz de assumir a forma de qualquer pessoa – amigo ou desconhecido. E o que denuncia a presença desse algoz? O sorriso de orelha a orelha, todos os dentes para fora, a cabeça levemente inclinada para frente – o pacote completo. 

Então, sorrindo maniacamente para Rose, a jovem rasga o próprio pescoço com um pedaço de cerâmica. 

Agora, Rose vê rostos sorridentes em toda parte e tem a nítida sensação de que corre perigo. Seriam os sintomas de um estresse pós-traumático, associado às longas jornadas de trabalho? Seria seu histórico familiar de doenças mentais despontando novamente? Ou seria algo mais? 

Este é um filme sinistro. Sempre que se contenta em apenas fazer seu trabalho – isto é, meter medo na gente –, “Sorria” é extremamente eficaz. Seu grande problema é achar que precisa ser algo mais do que já é. 

Aqui temos um terror onde a câmera se move de forma mais do que deliberada: inevitável. Seja em uma panorâmica ou em um travelling, seu movimento é enervante porque sabemos que, fatalmente, a câmera terá que parar em algum ponto do espaço – algo será inevitavelmente mostrado. E não é justamente essa a dinâmica de todo filme de terror que se preze – o visível e o invisível, a sugestão da presença e a materialização da mesma? 

Nesta mesma toada e por se tratar de um longa onde o horror deriva do rosto sorridente dos atores, “Sorria” trata tudo de forma literalmente frontal: atores falando na direção da câmera, claustrofobicamente próximos de nós, grandes olhos e grandes sorrisos pairando à nossa frente – inevitáveis. As conversas mais cotidianas assumem os contornos mais sinistros. 

Esforço desnecessário

A essa altura, ninguém precisa de subtexto: este é um terror eficaz sobre como é desconfortável ter pessoas sorrindo diretamente para você – o que todo introvertido já sabe há séculos (e todo fã de Aphex Twin também). Só que “Sorria” decide que isso não basta, que precisa “ser sobre algo”. O resultado é que, por boa parte da projeção, o longa parece lutar contra si mesmo, buscando algum tipo de ressonância temática desnecessária. 

Isso talvez se dê porque esta é a estreia em longas-metragens de Parker Finn, que escreveu e dirigiu o filme a partir de seu curta de 2020. Algo como uma forma de insegurança, mesmo: tentando suprir a necessidade de ser um filme “de verdade”, Finn chupa “Corrente do Mal” na cara dura e constrói uma linha temática qualquer sobre como o trauma se espalha e etc. 

Uma pena que o sujeito precise se alinhar a essa coisa meio A24/terror elevado (“terror elevado” há de ser, sem sombra de dúvidas, o termo mais desagradável já inventado. O segundo pior é “terror psicológico”). É que Finn tem o controle formal, assim como boas doses de uma imaginação grotesca e vil, necessários para realizar um terror que se sustente por conta própria. Aguardemos.