Recentemente minha turma de Teoria da Literatura discutiu a possibilidade de considerarmos fanfics um gênero literário. O curioso é como o dispositivo tem servindo como base para muitas produções cinematográficas, sendo a mais recente dela “Uma ideia de você”, comédia romântica disponível no Prime Video. Estrelado pelos carismáticos Anne Hathaway e Nicholas Galitzine, há várias coisas que podemos pontuar que mostram o quão frágil é a discussão apresentada no filme. 

Consigo ler a história sobre dois pontos de vista diferentes que se complementam. No primeiro deles, acompanhamos a história de um casal formado por uma pessoa anônima e outra famosa que precisam lidar com os desafios desse tipo de relação. Ao mesmo tempo, também vejo a narrativa de uma mulher mais velha que se envolve com um rapaz mais novo e precisa lidar com todas as implicações sexistas que cercam seu relacionamento. O roteiro toma essas construções paralelas para firmar seu relato, o que funciona, mas não deixa de ser um trabalho que mistura o piegas a algo batido. 

O que mais me incomoda em “Uma ideia de você” é justamente as escolhas fáceis, o medo de ousar e os encontros previsíveis. Cada cena parece já ter sido vista de várias formas no cinema e com uma sensibilidade maior, o que torna inevitável compará-lo com nossos comforts movies favoritos como “Um Lugar Chamado Notting Hill”, “Letra e Música” e outros. Falta a ele, no entanto, uma profundidade e originalidade que possa colocá-lo no mesmo panteão que as obras citadas. 

E olha que Galitzine e Hathaway funcionam como casal. Há o transbordante carisma que eles possuem individualmente e a química palpável, mas o que poderia ser memorável no filme parece não encaixar para além disso. A banda é irrelevante, as músicas, também. E o que poderia fomentar discussões, como os olhares de reprovação que a produtora destina a Solene, o olhar de desespero da atual esposa de Daniel (Reid Scott) e a maturidade de Izzy (Ella Rubin) para enfrentar a situação, se perdem em meio a busca incessante de projetar o romance dos protagonistas, como se o amor pudesse vencer qualquer barreira. O que se torna relativamente fácil quando estas se apresentam de maneira pequena e superficial. 

FALTA PAIXÃO

Nesse quesito, o roteiro perde por não expandir as discussões sobre machismo estrutural e patriarcado que tanto lhe atravessam e enriquecem as camadas de Solene e Hayes. Em paralelo, se avança levemente no debate sobre as consequências das mídias na vida de figuras públicas e como isso afeta suas relações pessoais. A trama é eficaz em mostrar o ódio virtual por meio dos comentários cruéis e desagradáveis que surgem quando algo desagrada os fãs e como isso reverbera ainda no campo real, apresentando os impactos a curto e longo prazo na vida dos afetados. 

Apesar dessa construção, vale ressaltar que o diretor Michael Showalter (“Doentes de Amor”) busca criar uma atmosfera sofisticada que é sentida por meio da encenação naturalista, que deixa Galitzine meio canastrão em certos momentos, e aos detalhes enfatizados pela fotografia de Jim Frohna (“Big Little Lies”), especialmente nas cenas íntimas. O fotógrafo utiliza close-up e planos detalhes em meio a mistura de cores quentes e frias que buscam aproximar o público das sensações suscitadas pela cena. Por mais interessante que seja, contudo, não consegue comover e envolver o público para engajar o casal. 

Tudo isso mostra que por mais funcional e agradável que “Uma ideia de você” tente ser, falta um brilho próprio que o consagre ao menos como um comfort movie. O que nos resta é aceitar a forte química de Galitzine e Hathaway.