Um filme delicado sobre adaptação e superação, “Una Escuela em Cerro Hueso” é um drama argentino que chama a atenção para o autismo sem apelar para reducionismos. Exibido na mostra Generation Kplus do Festival de Berlim deste ano, onde ganhou uma menção especial do júri, o longa marca a estreia da diretora Betania Cappato na ficção, com uma história bem pessoal inspirada em sua família.
Ema (Clementina Folmer) tem seis anos. Ela gosta de animais e, como toda criança, quer ter amigos. Sem saber, no entanto, ela está numa situação difícil: 17 escolas rejeitaram sua aplicação de matrícula, indispostas a lidar com as necessidades da menor, que se encontra dentro do espectro do autismo.
A única escola que a aceita está em Cerro Hueso, uma pequena comunidade carente no interior da província. Seus pais Antonio (Pablo Seijo) e Julia (Mara Bestelli), no afã de educar a filha, topam deixar os confortos citadinos de Santa Fé e se mudar para o vilarejo para que ela possa estudar. O choque de realidade leva os três a crescer para encarar o desafio de construir uma vida nova no local.
história de pequenos passos
O roteiro, escrito por Cappato e o produtor Iván Fund, mostra logo de cara que não quer contar uma história sobre bullying. Ema é aceita por seus colegas e professores. Ela até mesmo começa uma forte amizade com Irene (Irene Zequin), uma aluna – e filha de uma funcionária da escola – que adota um tom protetor em relação a novata.
Ao invés de uma luta por espaço, os personagens se veem diante de um lugar que lhe abre as portas, o que traz naturalmente uma pergunta: bem, e agora? Acompanhando tanto os avanços de Ema na sala de aula quanto os esforços de Antonio e Julia em se integrar na cidadezinha, “Una Escuela em Cerro Hueso” se firma como uma história de pequenos passos e dores de crescimento.
Dividir a trama entre Ema e os pais dá a oportunidade da história se construir com paralelos mais ricos. As tentativas de Antonio de introduzir uma horta coletiva na comunidade e as investigações biológicas de Julia ecoam, respectivamente, a busca por integração e a gana de sobrevivência de sua filha.
O tom leve da narrativa é traduzida em uma fotografia com muita luz (cortesia de Fund) e uma edição fluida, cheia de elipses (assinada por Cappato e Fund juntamente com Mariano Luque). As cenas acontecem aos poucos, com muitos silêncios e pequenos interstícios, muitas vezes acompanhadas de uma doce música ambiente, o que dá amplo espaço para a ação se desenrolar calmamente.
O que poderia ser auto indulgente em outras mãos funciona aqui, largamente por Cappato e Fund terem completo domínio de seu material. Apesar de sua proximidade com a história, que é uma ficcionalização do desenvolvimento de seu irmão, Cappato não apela para um tom condescendente ou panfletário, acreditando na capacidade do espectador se envolver na trama em toda a sua complexidade. Em sua sensibilidade, “Una Escuela em Cerro Hueso” é um filme tão precioso quanto a sua protagonista.