Nos minutos iniciais de “Vida Selvagem” é apresentada uma família tradicional norte-americana dos anos 1950. O pai está empregado, a mãe cuidando de casa e o filho contemplando a vida, que julga ser perfeita, enquanto faz o dever de casa e escuta um jogo no rádio. Este cenário é crucial para entendermos as reflexões que o longa tem a fazer sobre estrutura familiar e as ilusões que decorrem desta visão.

Lançado em 2018, o filme chegou a fazer certo barulho nos festivais de Sundance e Cannes, mas sem conseguir grandes destaques nas premiações de final de ano. Contando com a direção do estreante Paul Dano, é interessante notar a evolução deste artista que chegou a interpretar personagens bem construídos em filmes como Sangue Negro, e depois dedicou sua carreira em papéis de filmes mais independentes como Um Cadáver para Sobreviver.

Ao assumir agora a direção de um longa-metragem, Dano prova um talento em enxergar as sutilezas do cotidiano e investir boa parte da carga dramática das cenas em torno de seus atores. Aqui, vemos Jake Gyllenhaal e Carey Mulligan entregando o melhor que podem fazer para dar vida à complicada relação do casal Jeanette e Jerry Brinson. Pelo filme, é entendido que ambos casaram muito cedo e que decidiram construir uma vida que, no fundo, não entendiam bem como que iria se desenrolar.

As ilusões do “American Way of Life” dos anos 1950 são questionadas pelo roteiro de “Vida Selvagem” ao mostrar um casal fatigado, mas que não sabem dizer bem a razão disso. A decisão de Jerry de sair de casa por uma temporada para apagar os incêndios na floresta local, apenas configura essa necessidade de isolamento que ele tanto deseja. O efeito disso na vida de Jeanette é uma busca por algo que dê sentido a sua vida vazia de dona de casa.

SHOW DO ELENCO E TÉCNICO

É importante notar que toda essa história é contada através dos olhos do filho do casal Joe, interpretado pelo excelente Ed Oxenbould. Em uma atuação pautada bastante pelo seu olhar, Joe vai entendendo a dinâmica de um casal que assim como a floresta ao seu redor, vai se consumindo em chamas e que os dias de paz que marcam o início de “Vida Selvagem” já não serão mais comuns.

Apesar de pontuar bem cada momento de virada, o roteiro do filme (escrito por Paul Dano e Zoe Kazan) não chega a entregar um material “novo”. Muitas das situações apresentadas no filme são previsíveis e nada diferem de outros filmes que buscam desconstruir um casal em crise. O que segura mesmo são as atuações do elenco principal que dependem dos sorrisos forçados de Carey Mulligan, o olhar vazio de Jake Gyllenhal e a aparente inocência de Ed Oxenbould.

Para realçar as emoções de seu elenco, “Vida Selvagem” conta com a direção de arte de Miles Michael. Ela destaca o ambiente e roupa de seus personagens com as cores amarela, verde e azul para criar uma rima visual que configure algo como normal, pertencente ao lar e vida cotidiana da família. Logo, é notável quando algum personagem usa uma camisa de cor vermelha e passa a ser mais agressivo, destacando-se em tela.

Além disso, o filme conta ainda com o talento de Diego García, de “Boi Neon”, para entregar uma fotografia que trabalha com planos médios e primeiros planos para nos aproximar mais da família e realçar algum momento mais dramático. Também é interessante o uso da iluminação e cor para demonstrar as evoluções dramáticas das cenas. Quando as ações das personagens refletem o clima de “família feliz”, o ambiente é bem iluminado e bastante saturado. Quando ocorre o contrário e há o embate desta noção, a ilusão se quebra e o ambiente é pouco iluminado com as cores quase inexistentes.

Vida Selvagem” se torna um retrato interessante sobre as relações familiares e as ilusões acerca da vida em conjunto. Com excelentes atuações e um bom uso dos elementos estéticos, Paul Dano consegue lançar alguns conceitos e técnicas que mais adiante devem ser mais explorados em projetos futuros. Logo, o mais novo diretor mostra-se um nome interessante para prestar atenção.