Há um universo nas redes sociais brasileiras ainda mal explorado na recente produção audiovisual do país. Embora sirva de pano de fundo para várias produções, o que vemos sempre resvala em pequenas sacadas óbvias, humor questionável ou críticas sociais com a delicadeza de um coice. É justamente nesse universo que “Seguindo todos os protocolos”, filme que compõe a Mostra Aurora na Mostra de Cinema de Tiradentes, busca se desenvolver, ao retratar a solidão durante o isolamento pela pandemia de Covid-19. E faz isso de forma invejável.

Francisco (Fábio Leal) é rigoroso em sua quarentena, não descuida da proteção mesmo no momento em que amigos começam a flexibilizar o isolamento. Essa é a principal questão emprestada do universo das infinitas discussões nas redes sociais, a flexibilização ou não durante o isolamento, principalmente antes da chegada das vacinas. E para fazer essa introdução, a obra foge do caminho óbvio de entregar um personagem apático encarando seu próprio reflexo em um apartamento vazio, para apresentar um encontro virtual entre Francisco e seu ficante Ronaldo (Marcus Curvelo).

Por quase dez minutos vemos apenas a imagem em baixa qualidade de Ronaldo, uma condição que nos acostumamos durante as intermináveis chamadas de vídeo durante a pandemia, conversando com um avatar de Francisco, que não abre sua câmera.

A conversa perpassa por questões amorosas, raciais, sexuais, sanitárias, chegando até o famigerado “cancelamento”, executando uma espécie de esquete humorística que se aproveita das discussões rasas de assuntos sérios para expor um tom de comédia que seguirá pelo filme.

HUMOR ILÓGICO DAS REDES

A panaceia que compõe o cotidiano para superar o tédio do isolamento do protagonista vai de um filme pornô até lives do Átila Iamarino, buscando na dialética dessas situações trabalhar um pouco dos absurdos que têm sido encarar a pandemia no Brasil. E o desencadeamento de situações às quais Francisco se preza quando decide transar, tentando seguir todos os protocolos, é mais um passo rumo a esse absurdo.

O roteiro de Fábio Leal, que também dirige e protagoniza “Seguindo todos os protocolos”, nos conduz pelas diferentes peripécias de Francisco como se pulássemos de aplicativos em aplicativos em nossa lamúria digital diária. Temos a sua tentativa de ioga, seu descontentamento com o Instagram, suas pesquisas intermináveis no Google, seu tratamento com antidepressivos.

Os encontros presenciais que ele consegue arranjar transitam entre a liberdade de finalmente poder entrar em contato com alguém à angústia pela perda de tato social e medo da contaminação. Mas ainda assim, o filme dedica um bom tempo ao contato entre Francisco e seus pretendentes, dando muito espaço aos corpos nus dos atores, preenchendo aquele espaço vazio do isolamento, que predomina tanto física quanto psicologicamente durante a quarentena.

Não há tempo para demagogia em “Seguindo todos os protocolos”, principalmente ao romper o processo dos “filmes de pandemia”, e possibilitar ao seu protagonista uma singela catarse, superando suas neuroses, dedicando uma cena exclusivamente para que Francisco diga que não quer saber de Bolsonaro enquanto discute com alguém pelo telefone. Supera-se a lógica das grandes análises de rede social para se chegar ao humor quase ilógico das mesmas.

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