Dentre os gêneros cinematográficos que mais geram comodismo dentre roteiristas e diretores quanto aos seus formatos soluções, está a comédia romântica. Algo nelas, talvez o apelo universal dos relacionamentos em foco, compensa tal preguiça criativa com o fato de que os filmes desse gênero sigam, eventualmente, verdadeiras receitas de bolo, que tornam o rapaz-encontra-garota-eles-se-apaixonam-eles-se-separam-eles-ficam-juntos-no-final uma repetida, mas bem sucedida, fórmula.

Por tentar fugir das limitações impostas ao gênero a partir de seu argumento, “De onde eu te vejo” já começa com pontos a mais. Nele, Luiz Villaça retoma a parceria no cinema com Denise Fraga, que também estrelou “Por trás do pano” (1999) e “Cristina quer casar” (2003), além de trazer seu primeiro longa-metragem (numa parceria com a Warner Bros., aliás) desde “O contador de histórias” (2009).

Na trama do longa, Ana Lúcia (Denise Fraga) e Fábio (Domingos Montagner) são um casal que se separa depois de 20 anos casados. Junto com a separação, ambos enfrentam momentos turbulentos em outras esferas de suas vidas: de crises em seus respectivos trabalhos (ela é jornalista e ele, arquiteto) ao baque de ver a filha Manu (Manoela Aliperti) se mudando para outra cidade. Porém, com a mudança de Fábio para um apartamento do outro lado da rua de sua antiga moradia, com direito à vista para o local, abre novas possibilidades para a relação entre o casal.

Cidade e lembrança

“De onde eu te vejo” tenta minimizar os clichês da situação que o sustenta a partir de algumas soluções interessantes, como o foco que ele dá à cidade no qual se passa, São Paulo. Enquanto que muitos filmes ali ambientados acabam, direta ou indiretamente, colocando seus sujeitos em conflito com o espaço, o romance presta uma melancólica, mas empática reverência à metrópole.

Dessa maneira, ainda que dentro de situações um tanto limitadas pela abordagem “quadrada” dos personagens, o espectador tem momentos marcados por essa relação de empatia para com a cidade e as memórias afetivas que ela gera neles. A oposição entre pessoas e espaço está no campo da memória, que constata as mudanças dos locais onde costumavam ir e estar na cidade, tal como muda a relação entre Ana Lúcia e Fábio: sem querer tanto assim mudar.

Boa parte do mérito dessa abordagem não vem apenas das metáforas (não muito sutis) que o roteiro apresenta. Vem também da bela direção de fotografia de Alexandre Ermel, que já conhecemos de “Somos tão jovens” (2013). As cores esmaecidas, puxando para os tons terrosos, são típicas das comédias românticas independente do cinema norte-americano das quais “De onde eu te vejo” tenta sugar vários de seus elementos, mas ainda que sem tanta originalidade, ganha pontos positivos pelo esmero das belas imagens.

Popular sim; mal feito, não!

Junto com a direção de arte impecável de Luana Demange e Vera Hamburger, essas belas imagens compõem algo de ainda mais significativo no atual momento do cinema brasileiro: a possibilidade de fugir dos aspectos visuais da linguagem televisiva em um filme popular. No geral, não temos em “De onde eu te vejo” os batidos cenários de novela, a profusão de planos médios, a trilha sonora que marca de maneira óbvia ações e sentimentos dos personagens a todo o momento, e nem a iluminação uniforme também herdada dos folhetins televisivos, o que já é um grande alívio nessa altura no atual contexto dos filmes que não se pretendem “de arte”.

A um espectador cinéfilo em busca de um filme com maior substância, porém, “De onde eu te vejo” é uma alternativa até digna, mas não brilhante. O filme não se distancia totalmente dos aspectos negativos de vários filmes que mascaram sua qualidade inferior com a etiqueta de “popular”, principalmente a partir da composição dos personagens e algumas das situações que eles enfrentam, que são um tanto clichês.

Dessa forma, temos no filme conflitos não muito aprofundados e ceninhas de ciúme entre o (ex?) casal que deixariam Meg Ryan nos anos 1990 orgulhosa, mas nada que impressione um fã de Richard Linklater, por exemplo. A inserção (e sumiço) de Marcelo (Marcello Airoldi), um pretendente amoroso para Ana Júlia, é um bom exemplo dessas problemáticas escolhas do longa, assim como Olga (Marisa Orth), que preenche a cota de clichês interpretando a amiga que dá conselhos aos protagonistas enquanto funciona como elementos cômico adicional. As eventuais quebras de quarta parede também resultam num cinema expositivo demais para uma trama tão simples, não adicionando nada ao filme.

Entrecortado por momentos de pieguice e alguns (queridos, por muitos) clichês, “De onde eu te vejo” pode, no mínimo, destacar-se como um “feel good movie” brasileiro para tempos de crise que não apelou aos gritos histéricos de piadas apelativas, como outros tantos filmes da nova safra de “sucessos” nacionais. É um filme que não tem medo de se assumir como cinema, e que trabalha nessa linguagem para gerar seus erros e acertos.