Com o fim de ano cada vez mais próximo, continuam surgindo novidades no cinema amazonense. Mesmo com a indefinição de data do Amazonas Film Festival, vários realizadores locais estão finalizando suas produções para poder mostrá-las ao público, tanto em festivais quanto em outros circuitos de exibição. Um desses filmes que deve ser lançado em breve é Justiça Cega, curta-metragem dirigido por DJ Mellody.

Mais conhecido pelo seu codinome artístico, Jaime Jean se define como um verdadeiro “mil-e-uma utilidades”: ele é DJ, apresentador de TV, radialista, fotógrafo, produtor musical, assessor de comunicação, diretor, enfim, de tudo um pouco. Sua nova produção é inspirada na história real de Heberson Oliveira, que foi preso injustamente por um crime que não cometeu. Neste bate-papo com o Cine Set, DJ Mellody falou um pouco sobre o filme e o seu trabalho no audiovisual local.

Cine Set: Como surgiu a ideia de fazer o Justiça Cega? Sobre o que é o filme?

DJ Mellody: No meu cotidiano, trabalhando com televisão, acabo tendo contato com várias histórias de injustiça, não só em Manaus, mas no Brasil todo. Esse filme é um drama baseado em fatos reais, que relata a história de um cara que foi preso, acusado de ter estuprado uma criança. Na cadeia, ele foi violentado e passou três anos sem nem mesmo ver a mãe dele. Quando ele enfim teve o direito a um julgamento, foi constatado que o rapaz nem estava em Manaus na época do ocorrido. Moral da história: ele foi absolvido e solto, mas além de toda essa injustiça cometida, ele ainda contraiu o vírus do HIV dentro da cadeia, e até hoje trava uma batalha judicial pra tentar reverter toda essa situação. Além disso, nessa história também tem o outro lado da corrupção na cadeia, e a maneira como os policiais fazem as pessoas confessarem qualquer crime através do abuso de autoridade. Aliás, eu mesmo faço um desses personagens. Sou diretor, produtor e também faço essa participação, meio faz-tudo (risos).

Cine Set: Você chegou a entrar em contato com algum dos envolvidos nesse caso que inspirou o filme?

DJ Mellody: Não, eu e o Jerson [Aranha Jr., roteirista de Justiça Cega] conversamos com a mãe dele, mas foi somente um bate-papo mesmo. O caso dele foi mais um ponto de partida mesmo; o filme relata a história de brasileiros em geral que vivem esse tipo de injustiça diariamente. Foi uma coisa muito bacana de fazer.

Cine Set: Em que fase o filme se encontra agora? Quando poderemos ver o resultado?

DJ Mellody: O filme ainda está no processo de edição. Uma parte dele foi perdida no meio dessa confusão de campanha política, porque um amigo meu teve um problema com um HD que tinha várias das cenas que a gente gravou. Mesmo assim, ainda tem material o suficiente pra finalizar o curta. Eu quero que ele esteja pronto até dezembro, e se possível lançar até mesmo antes, pra eu poder participar de um festival no Pará. Também tô tentando fechar uma parceria com o Governo do Estado, através da Secretaria de Cultura, pra poder realizar o lançamento do filme lá no Cineteatro Guarany.

rosa malagueta justiça cega dj mellody

Cine Set: Como foi o processo de produção do filme?

DJ Mellody: Levamos de três a quatro meses no total, desde o fim de fevereiro. Foi um mês pra selecionar o elenco. O José, que é o personagem principal, foi interpretado pelo Gladson Abreu, radialista e blogueiro, que se saiu muito bem nos testes. Tivemos a participação da Rosa Malagueta também, como mãe dele, num papel dramático. Mas, na verdade, a maioria das pessoas que participaram não são atores; alguns são advogados, assistentes sociais, amigos, pessoas do meio jurídico que se encantaram pela história do filme e quiseram participar.

Cine Set: E vocês tiveram alguma preparação de elenco para gravar o filme?

DJ Mellody: A preparação quem dava era o nosso master coach e roteirista, o Jerson Aranha Jr., que treinava os nossos personagens.

Cine Set: Onde aconteceram as filmagens?

DJ Mellody: A gente gravou cenas no interior da Cadeia Pública Vidal Pessoa, cenas de fuga externas em Rio Preto da Eva, algumas outras que conseguimos fazer de helicóptero com o apoio da Polícia Militar… foi um processo bem bacana. Rodamos principalmente na Comunidade Nobre, no bairro Santa Etelvina, onde aconteceu a maioria das cenas. É uma invasão que fica antes da barreira, e a gente teve o apoio dos moradores de lá. Até dona de casa que estava lavando roupa na hora da gravação acabou entrando no filme (risos). Teve uma criança que participou que se fingia de morta muito bem também. Essa tem futuro!

Cine Set: Você teve alguma dificuldade em encontrar patrocínio para produzir o filme?

DJ Mellody: A gente acaba encontrando certa resistência em apoiar um projeto como esse, porque o pessoal só se interessa depois que o filme já está pronto. Mas aí, depois de pronto não precisa mais, né? Felizmente, a gente conseguiu apoio de algumas empresas, como a Sucuri Caça e Pesca, que ajudou com objetos de cena, e a KMG, que ajudou com gastos de produção como alimentação, equipamentos de iluminação, enfim.

justiça cega dj mellody

Cine Set: Essa não é a sua primeira experiência em produção audiovisual, certo? Você pode falar um pouco sobre seus filmes anteriores?

DJ Mellody: O meu primeiro filme foi um longa de ação, o Guerra Urbana. Depois dele, eu fiz a sequência, o Guerra Urbana 2, que tinha o famoso personagem do Cocada. Em 2010, eu lancei O Preço da Promessa, que foi selecionado no Festival Entretodos de Curta-Metragem em Direitos Humanos, em São Paulo. Daí pra frente, eu fiz o curta Bala Perdida, o documentário Tribos Urbanas, sobre povos indígenas, e que foi selecionado para o Festival Latino-Americano de Canoa Quebrada, no Ceará, e um filme evangélico, que é o Como Deus Não Há, lançado em 2011. O mais recente foi em 2013, um documentário sobre o descaso da moradia no Brasil chamado Minha Casa, Minha Vida.

Cine Set: Você tem essa preocupação de explorar temáticas sociais nos seus filmes, então?

DJ Mellody: Na maioria das vezes, sim. Com exceção do Guerra Urbana, que foi feito mais pela zoeira mesmo, os outros são. O Bala Perdida, por exemplo, foi um alerta sobre os efeitos da violência na sociedade. Sempre puxo pra esse lado mais humano da coisa.

Cine Set: Outra preferência sua é o gênero de ação. Quais são as suas referências nesse sentido?

DJ Mellody: Eu gosto muito de ação. Quando eu pensei no Justiça Cega, por exemplo, vi que as imagens seriam muito boas, e eu tinha que fazer. Apesar do meu gosto pela ação, eu gosto muito de filmes de temas medievais, como Noé, Spartacus, a trilogia O Senhor dos Anéis. Também gosto muito de filmes brasileiros que retratem o cotidiano, não tanto esses de comédia.

Cine Set: Você disse que pretende mandar o filme pra vários festivais nacionais e internacionais. Além desse tipo de circulação, você sente falta de um espaço de exibição aqui na cidade?

DJ Mellody: Sinto falta sim. A prefeitura, o governo, ou algum órgão deveria oferecer pelo menos uma sala de cinema pra exibir filmes da nossa produção local, nem que seja por uma semana. A saída acaba sendo mandar pros festivais, mas ainda falta esse espaço pra rodar os filmes para o público amazonense. Meus filmes anteriores fizeram mais sucesso circulando em cópias piratas que o pessoal fez, e venderam milhares. Eu não recebi nenhuma parte disso. Foi bom pelo menos ter o reconhecimento do público; muita gente ainda hoje me chama de “Cocada”, que era o personagem de Guerra Urbana.

Cine Set: E você acompanha outras produções locais?

DJ Mellody: Algumas sim, mas na maioria das vezes não, justamente por conta dessa falta de espaço.

Cine Set: Depois de lançar o Justiça Cega, quais são os seus próximos projetos?

DJ Mellody: Eu vou dar um tempo do cinema, na verdade, e quero lançar uma exposição fotográfica sobre o Amazonas. Vou viajar por 62 municípios do Estado e mostrar fotos diferentes da região. Mas eu continuo gostando de cinema; gosto de dirigir e de atuar, mesmo que eu não seja um ator profissional (risos). Tudo o que eu aprendi foi na marra, nunca fiz curso de comunicação, atuação ou edição. Mesmo assim, faço um bocado de coisa e espero continuar mostrando meu trabalho por aí. Por enquanto, espero que o Justiça Cega emocione e cause um impacto necessário no público manauara.


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