Christopher Nolan, diretor britânico que virou objeto de culto nos últimos anos, graças à sua habilidade em construir espetáculos épicos com alguma substância – O Cavaleiro das Trevas (2008), ainda a sua maior realização, consegue unir reflexões morais sérias a uma narrativa tensa e cheia de palpitações, produzindo talvez o melhor filme de super-herói do cinema – contra-ataca.

Depois de dois filmes tão grandiosos na ambição (e duração) quanto emocionalmente vazios e intelectualmente rasos (A Origem e Interestelar), o artista apruma o foco e pode voltar a ser elogiado sem reservas. Dunkirk, que estreou esta semana em Manaus, traz as melhores qualidades de Nolan num filme enxuto, urgente, e, em seus melhores momentos, verdadeiramente apavorante.

Recriando a dura resistência e evacuação de soldados ingleses acuados na costa francesa de Dunquerque, em 1940 – um dos episódios cruciais do início da 2ª Guerra –, a obra une a reflexão de Cavaleiro sobre a tendência humana à maldade à experimentação narrativa e cronológica de A Origem. Como no mundo dos sonhos de Leo DiCaprio e companhia, o filme apresenta três narrativas paralelas, cada uma com seu próprio arco temporal. Na primeira, que dura uma semana, um grupo de soldados rasos, com Fionn Whitehead à frente (e, mas tarde, a participação competente do 1D Harry Styles), tenta desesperadamente escapar de Dunquerque, só para descobrir o lado mais mesquinho e brutal de si mesmos. Na segunda, que dura um dia, um civil comum (o maravilhoso Mark Rylance, de Ponte de Espiões) parte com seu minúsculo barco para a praia em chamas, atendendo à convocação do governo inglês de ajuda e resgate dos soldados acossados. E, na terceira, que dura apenas uma hora, um piloto de combate (Tom Hardy, de Mad Max: Estrada da Fúria, parceiro constante do diretor) persegue os bombardeiros alemães que vêm massacrando os homens lá embaixo.

O enfoque múltiplo de Nolan permite enfileirar um verdadeiro catálogo dos horrores do combate: balas, fogo, estilhaços, sangue, óleo, ferro, afogamento, claustrofobia, alturas terrificantes, explosões, gritos, estampidos, rangidos, mortes trágicas, heroicas, patéticas. Com seu talento habitual para encenar grandes batalhas, mas mais afiado, propositado e urgente, o artista cria uma experiência cinematográfica singular em Dunkirk, que encontra equivalente em pouquíssimos outros filmes de guerra: Glória Feita de Sangue (1957), Apocalypse Now (1979), Agonia e Glória (1982), Além da Linha Vermelha (1999). Como nestes, o enfrentamento na batalha é direto, brutal, dessentimentalizado – e apavorante aos olhos e ouvidos. A fotografia de Hoyte van Hoytema quase nunca usa closes dos atores, preferindo acompanhá-los de perfil ou por trás, ou filmar as massas humanas à distância, o que só aumenta a aflição e a experiência desumanizadora do conflito.

Dunkirk, portanto, é uma experiência difícil, desagradável, que deve afastar boa parte dos espectadores. E, infelizmente, Nolan não disciplinou de todo sua tendência a ostentar o virtuosismo de sua direção, ou o didatismo de seus diálogos. Da metade pro fim do filme, a rigidez da estrutura, a obrigação de ter de intercalar o tempo todo entre as histórias, começa a drenar o impacto emocional das situações. A falta de um desenvolvimento maior dos personagens (boa parte dos quais tem função apenas expositiva, como o subtutilizado Cillian Murphy, creditado ao final como “soldado em pânico”) serve ao esquema de ensemble de Nolan, mas ressalta o distanciamento no que deveria ser uma história de valorização dos pequenos indivíduos. A música de Hans Zimmer, outro colaborador do diretor, é a princípio excelente, com seus zumbidos insistentes, aflitivos, mas o uso excessivo do score torna-se irritante, diminuindo a força de cenas onde o uso do silêncio ou ruídos ambientes seria bem mais efetivo.

São, porém, erros menores diante da difícil – e catártica – experiência fílmica oferecida por Nolan em Dunkirk, um novo triunfo para o diretor, que parece ter reajustado sua rota para fortalecer e adensar suas qualidades, em vez de usá-las a serviço do virtuosismo técnico vazio e da imposição de ideias desinteressantes.