Parecia uma quinta-feira normal, mas o 5 de outubro de 2017 (portanto, há exatamente um ano) terminou como o dia em que uma bomba caiu na cabeça de um dos homens mais poderosos de Hollywood. Havia um relato ali e outro aqui, mas foi a reportagem do New York Times publicada naquela data que escancarou um segredo aberto da indústria do cinema: Harvey Weinstein era um monstro, cujas atrocidades iam muito (muito, mas muito) além de campanhas agressivas para abarrotar os filmes da sua companhia de Oscars. O que se viu nos dias, semanas e meses seguintes todo mundo sabe: centenas de atrizes famosas e anônimas (e atores e pessoas que nada tinham a ver com a indústria) tomaram coragem de contar suas histórias no movimento que ficou conhecido como “Time’s Up”.

Foram 365 dias repletos de choque e de carreiras encerradas. O destino de Weinstein ainda está embaçado: basicamente expulso de Hollywood, ele conseguiu escapar da cadeia, mas não de uma série de investigações que chega a atravessar o oceano. Mas e as vítimas dele e de outros predadores sexuais do cinema e da tevê norte-americanos? O Cine Set mostra o que aconteceu com algumas (uma pequena parcela, já que infelizmente são muitas) das vítimas que tiveram suas vozes ouvidas no fim do ano passado.



Rose McGowan

A atriz era uma jovem promissora do cinema independente norte-americano quando foi estuprada por Weinstein durante o Festival de Sundance de 1997. Ela sempre relatou o fato – e sempre deu a entender que havia sido o produtor -, mas nunca havia sido ouvida até a reportagem assinada por Ronan Farrow para a revista New Yorker, que saiu logo após o artigo do New York Times. De lá pra cá, Rose se decepcionou com Hollywood e basicamente desistiu da indústria do cinema. Há alguns meses, lançou sua autobiografia – onde relata o ocorrido com Weinstein – e teceu críticas à adesão hollywoodiana ao #metoo, o que ela considera hipócrita. Sua última aparição nas manchetes de sites e jornais foi graças à sua briga com outra vítima de Weinstein, Asia Argento (falarei mais sobre isso em alguns parágrafos).


Olivia Munn

Em novembro do ano passado, Munn se juntou ao coro das vítimas e acusou o diretor Brett Ratner de se masturbar em sua frente. Além dela, nomes como Natasha Henstridge também fizeram denúncias sobre o comportamento do cineasta. Munn, no entanto, não parou por aí. No recém-lançado “O Predador”, ela tinha uma cena com um ator que já foi condenado por pedofilia. À época, ela não sabia disso. O diretor, Shane Black, não apenas sabia como escondeu isso do estúdio. Quando foi informada, Olivia procurou a Fox que retirou a cena em questão. Porém, o resultado para a atriz não foi dos mais agradáveis: pouco tempo depois, ela se viu forçada a dar entrevistas sozinha para promover o filme, já que seus colegas de elenco (homens, vale ressaltar) não quiseram se envolver na polêmica. Parece que usar o broche do Time’s Up no Globo de Ouro é o máximo que essa turma consegue fazer.



Terry Crews

Assim que as denúncias contra Weinstein começaram a sair, o ator Terry Crews tomou coragem para contar sua história: no dia 10 de outubro, ele twittou que estava sentindo estresse pós-traumático ao ler os relatos das colegas de profissão, porque isso o lembrava de algo que havia ocorrido em 2016. Na ocasião, um executivo de Hollywood o tocou de forma inapropriada. O relato de Terry tocou em cheio várias atrizes, que tocaram na mesma tecla: se isso acontece com um homem famoso e já estabelecido na indústria e que tem mais de 1,90 metro de altura, imagina o que as mulheres não passam? O ator não parou por aí, e, em junho desse ano, deu um poderoso e emocionante discurso sobre assédio sexual no Capitólio. Atualmente, Terry se divide entre comédias no cinema e o trabalho na série “Brooklyn 99” (onde ele, vale ressaltar, rouba a cena).



Mira Sorvino

A atriz é uma daquelas que fazem falta nas telonas. Por muito tempo, acreditou-se que seu sumiço se deu pela dita “maldição do Oscar” (ela venceu em 1996, por ‘Poderosa Afrodite’). A verdade é que a atriz foi colocada na “geladeira” por influência de Weinstein, após ela rejeitar o produtor. Entre o Oscar e os dias atuais, foram poucos os papéis de destaque de Mira, e quem tentasse contratá-la tinha que se ver com Weinstein: Guillermo Del Toro a escalou para “Mutação” e foi tão perseguido pelo produtor que chegou a declarar que tê-lo conhecido foi uma das piores coisas que lhe aconteceu nos anos 1990, junto ao sequestro de seu pai. Já Peter Jackson sucumbiu às ameaças e não chamou Mira para o elenco da trilogia “O Senhor dos Aneis”. O mesmo boicote ocorreu com Ashley Judd, personagem da primeira reportagem com denúncias a Weinstein. Hoje Mira se dedica à família e tem uma forte presença nas redes sociais: recentemente, publicou uma carta endereçada a Dylan, filha que acusa Woody Allen de estupro, pedindo desculpas por ter trabalhado com o diretor novaiorquino.


Salma Hayek detona: "mulheres só ganham mais em cinema pornô"Salma Hayek

A mexicana foi outra que sentiu a fúria de Weinstein. A produção de “Frida” – filme que por muito tempo foi o projeto do coração de Hayek – foi marcada por boicotes do produtor, que chegava a fazer ameaças à atriz. Em dado momento, ele teria dito à diretora Julie Taymor que iria “quebrar os joelhos” de Hayek. Em um forte relato ao New York Times, Salma diz que acredita que todo o bullying que sofreu tenha sido resultado das recusas que fez aos avanços de Weinstein. O produtor não se deu por vencido e tentou, ainda, boicotar o lançamento de “Frida” em detrimento de outros filmes da Miramax, mas Hayek teve uma doce vingança quando viu o filme ser indicado a vários Oscar (inclusive melhor atriz), vencendo os prêmios de melhor maquiagem e trilha sonora.



Asia Argento

A atriz italiana tem dominado as manchetes de jornais desde que relatou o estupro sofrido quando ainda era uma jovem, nos anos 1990. O relato a aproximou de outras vítimas, como Rose McGowan. As duas tiveram uma forte presença nas redes sociais, com direito a críticas aos atores e atrizes vestidos de preto no Globo de Ouro, e incontáveis mensagens de apoio a cada pessoa que fornecia seu relato, como Rosanna Arquette e Annabella Sciorra. Em maio, Argento tocou na ferida de quem estava no Festival de Cannes e desafiou os presentes ao dizer que “sabia quem eram” os outros abusadores que ainda não haviam sido expostos como Weinstein e Kevin Spacey foram. No entanto, a filha de Dario Argento sofreu uma série de revezes nos últimos meses: primeiro, o suicídio do namorado, o chef Anthony Bourdain; depois, o ator Jimmy Bennett, que a acusou de abuso sexual (ela alega que não sabia que ele era menor de idade). A denúncia fez estremecer seu relacionamento com Rose, já que foi esta a denunciá-la. A situação de Asia ainda está turva: a briga com Rose está pública, com intimações em redes sociais e até uma tatuagem de adaga. É uma história que está longe de ter fim.



Anthony Rapp

Mais conhecido no circuito da Broadway, o ator ficou no olho do furacão ao relatar ter sido abusado sexualmente por Kevin Spacey quando tinha apenas 13 anos. Rapp recebeu o apoio de outras vítimas e até da atriz Michelle Williams, protagonista de “Todo o Dinheiro do Mundo”, filme do qual Spacey foi cortado assim que as denúncias apareceram. Ator desde os seis anos, Rapp seguiu entre cinema e TV, mas foi nos palcos que ele se consagrou, com espetáculos como a montagem original de “Rent”. Ele participou da adaptação do musical para o cinema, em 2005. O trabalho mais recente dele foi uma participação na série “13 Reasons Why”.


Uma Thurman

Ela demorou a falar, mas, quando resolveu relatar sua experiência com Weinstein, foi ouvida e teve a simpatia de fãs por todo o mundo. Talento indiscutível nas telas, Thurman foi mais uma vítima do produtor nos anos 1990, quando chegava ao estrelato graças a filmes como “Pulp Fiction”. A relação com Tarantino, aliás, foi algo que a atriz também desconstruiu em seu testemunho, ao revelar que as filmagens de “Kill Bill” foram quase fatais para ela. Parece que as rusgas com o cineasta ficaram para trás, já que a filha de Uma, Maya Hawke, está no elenco do novo filme dele, “Once Upon a Time in Hollywood”. Mas, Weinstein ainda é um assunto que deixa a atriz (justificadamente) nervosa. Sem a sombra do produtor e dos boicotes que ele tanto forçava, Uma segue trabalhando: ela tem um filme e uma série em pós-produção, e recentemente apareceu no filme de outro nome lembrado no movimento #metoo, Lars Von Trier, “A Casa Que Jack Construiu” (filmado antes do relato de Bjork sobre o que realmente aconteceu nos bastidores de ‘Dançando no Escuro’, vale ressaltar).


Daria para ficar horas falando de outras vítimas desses monstros: Ashley Judd, Rosanna Arquette, Molly Ringwald, Selma Blair, Cara Delevingne, Léa Seydoux, Amber Tamblyn, Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie, Evan Rachel Wood… Mesmo se ficarmos apenas nos nomes conhecidos, a lista já é quilométrica. O que assusta é saber que essas práticas não nasceram com Harvey Weinstein, Louis CK ou James Franco. Elas já existiam desde o início de Hollywood, quando atrizes eram usadas como moeda de troca pelos estúdios sedentos por dinheiro. E elas não cessaram: estão presentes em todos os campos de trabalho do mundo, da política ao consultório médico, da redação às fábricas.

O que aconteceu com Weinstein é uma exceção, algo impensável em uma indústria que ainda celebra abusadores (olha o Johnny Depp ganhando rios de dinheiro até agora). Ainda assim, ver que essas vozes foram ouvidas e que a indústria começou a mudar um pouquinho que seja – pouco mesmo, vide o caso Olivia Munn – não deixa de ser esperançoso para um grupo que só quer o direito de andar de metrô, caminhar na rua e trabalhar sem o medo de ser estuprada. É só isso.