Dentro da safra de filmes originais da Netflix, o gênero de ficção-científica – quase 90% – é o que mais apanha e passa vergonha. A contagem de produções no gênero, infelizmente, mantém uma tradição fraca ou ruim. Tau, Próxima Parada: Apocalipse, O Paradoxo Cloverfield, Extinção, Aniquilação e Bird Box, são as provas cabais desta situação. Os dois últimos, inclusive, revelam que o nível do streaming chegou a um patamar tão ruim, que até obras medianas como elas, são saudadas como ótimas para confortar parte da carência da crítica e do público.

Se havia alguma esperança da Netflix dar uma bola dentro do campo da sci-fi original em 2019, qualquer esperança se esvai com seu último lançamento, IO: O Último na Terra de Jonathan Helpert. IO pode ser muito bem resumido como um encontro entre os papas dos melodramas românticos, John Green e Nicholas Sparks querendo ser Andrei Tarkovski, o cineasta mestre russo responsável pela obra-prima existencialista da ficção-científica Solaris. Em outras palavras, há muita pretensão filosófica e teorias evolutivas sobre como natureza humana destrói o planeta, porém perdidas em um roteiro pseudo-intelectual que abraça o romance apocalíptico ordinário para contar a sua história.

A premissa de IO é até intrigante: No futuro, a terra encontra-se devastada e abandonada depois que a poluição atingiu níveis catastróficos, deixando a atmosfera tóxica. A maioria da população fugiu para uma colônia fora do planeta chamada IO, localizada em uma das luas de Júpiter. Dentro deste cenário, um cultuado cientista Henry Walden (Danny Houston) e sua filha também cientista, Sam (Margaret Qualley da série The Leflovers) são os únicos que decidem ficar na Terra para tentar comprovar que é possível se adaptar às mudanças climáticas e sobreviver no planeta, para assim, reconstruí-lo. A rotina dos dois muda quando o forasteiro Micah (Anthony Mackie, o Falcão do universo cinematográfico da Marvel) chega para tentar convencê-los a embarcar na última espaçonave para IO.

Como ficção-científica, IO segue a tendência intimista, por utilizar poucos cenários, atores e efeitos especiais. Neste sentido, a produção se destaca na sua cinematografia de forma interessante. A fotografia de André Chemetoff é competente, o que ajuda a direção de Helpert – que até então tinha dirigido curtas e um único longa-metragem na carreira, a também ficção-científica House of Time em 2015 – a entregar imagens externas bonitas, calibradas por efeitos especiais sutis que dão uma boa credibilidade aquele mundo estranho. A produção mesmo modesta é hábil em compor uma realidade apocalíptica com tons verdes e lilás sem precisar encher a tela com diversos efeitos especiais, o que permite amplificar uma sensação de isolamento dos personagens apenas pelo design visual.

Outro ponto que salva a produção são as atuações dos dois atores principais. São eles que dominam a cena e seguram o filme durante a sua projeção. Margaret é a que mais se destaca, mesmo que o roteiro force a barra em querer que acreditamos que sua jovem cientista Sam é uma versão feminina de MacGyver ou Rodrigo Hillbert do astronauta Mark de Matt Damon em Perdido em Marte. Se no filme de Ridley Scott já era complicado acreditar nas ações mirabolantes que Damon executava, em IO é difícil visualizar Margaret com sua cara de jovem universitária resolvendo, com facilidade, todas as questões científicas que o filme se propõe. Só que atriz explora bem a urgência e introspecção de sua personagem, ao alternar com sutileza as dúvidas e os fascínios de Sam. Sua química com Mackie também é ótima, e ambos os atores ajudam a elevar o romance entre os personagens mesmo com um texto piegas em mãos.

O problema maior do filme consiste no seu roteiro. Os questionamentos ambientais que a produção lança é realmente pertinente e atual, considerando os tempos em que vivemos e é interessante que o filme parta de questões filosóficas sobre arte e mitologia  – o título do filme tem origem de uma das paixões de Zeus – para trabalhar suas temáticas. Infelizmente, IO em seus 90 minutos, dá uma sensação dominante de pura monotonia, sendo assustadoramente arrastado, como se nada de interessante ocorresse.

Helpert faz uma aposta interessante de querer aprofundar a relação sentimental de solidão de Sam e Micah dentro de um mundo apocalíptico próximo de A Estrada de John Hillcoat, só que os resultados alcançados por ele se aproximam mais da bagunça amorosa de Passageiros, aquele mesmo que conta com a dupla Jennifer Lawrence e Chris Pratt há três anos. Seu filme tem um texto vazio de conteúdo, com subtramas arrastadas que envolvem a relação dos seus protagonistas com seus familiares – o plot-twist de Micah sobre o seu passado é muito mal executado, enquanto a revelação de Sam e de seu pai soa previsível com menos de meia-hora de filme.

Talvez este seja um dos maiores problemas de IO: um filme prejudicado pela falta de relevo as motivações e conflitos dramáticos de seus protagonistas. O roteiro em quase nenhum momento propõe situações dramáticas ou desafiadoras para o público, ou em oferecer cenas angustiantes como uma boa ficção – cientifica deve ser frente a temáticas como a solidão. Há mais uma preocupação em se prender a um romance tolo – e muito mal encenado – como forma de cativar o público. O filme nunca decola ainda que seja feito de bons momentos isolados. Funcionaria melhor como um curta-metragem.

Por fim, IO: O Último na Terra acumula diversos equívocos em seus 90 minutos e consegue deixar um sentimento de que proporcionou poucas novidades ao gênero. A monotonia reina da primeira à última cena. Dá até vontade de pedir emprestado venda da personagem de Sandra Bullock em Bird Box, só para não enxergar as barbeiragens que a Netflix vem realizando com as ficções científicas nos últimos anos.