É de consenso entre algumas pessoas que o latim é uma língua morta, mas se pararmos pra observar, ele está presente no nosso dia-a-dia, principalmente se destacarmos as línguas que foram originadas dele. Nascido em Lácio, na Itália, o latim passou por mudanças conforme a influência de viajantes, estrangeiros e os idiomas dos locais onde o Império Romano deixou sua marca. Do antigo idioma de Roma, surgiram oito línguas, entre elas o italiano e o português. Estima-se que 70 milhões de pessoas sejam falantes do italiano atualmente.

Diante disso, torna-se interessante atentar às escolhas feitas por Lone Scherfig, ao dirigir e roteirizar o longa-metragem dinamarquês “Italiano Para Principiantes”. O filme não apenas utiliza o idioma italiano, que tem sua raiz bem distanciada do idioma nórdico, como pano de fundo de sua narrativa e em diálogos extensos, como é a primeira obra do Dogma 95 a ser realizada por uma mulher.

Popularizado por obras como “Festa de Família” e “Os idiotas”, o movimento Dogma 95 é uma espécie de manifesto organizado em decálogo, como Dez Mandamentos, que visa atrair o público para uma nova roupagem cinematográfica que pouco difere da velha maneira de se ver cinema, em sua origem independente. Mais do que qualquer coisa, o Dogma 95 busca um retorno a simplicidade cinematográfica. Scherfig consegue honrar nove dos mandamentos, no que é considerado o 12º filme do Dogma, e diferentemente da filmografia de seus colegas homens dentro do movimento, cria uma comédia romântica com elementos tragicômicos e de fácil aceitação e integração.

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O roteiro, também assinado pela diretora, é construído em torno de seis personagens que formam arcos e arquétipos distintos, mas que possuem o mesmo ponto em comum: todos estão perdidos dentro das circunstancias que a vida lhes oprimiu.
Andreas (Anders Berthelsen) é um pastor viúvo que veio substituir o pastor local que teve um surto de raiva e agrediu o organista. Mesmo tendo se preparado para assumir a igreja e escolhido o seminário como profissão, está perdido dentro de sua religiosidade. Jorgen Mortensen (Peter Gantzler) é o recepcionista do hotel onde Andreas hospeda-se, tem dificuldades amorosas, faz quatro anos que não consegue ter relações sexuais. Seu melhor amigo é HalvFinn (Lars Kaalund) , um amante da Juventus, grosseiro, que tenta diversas vezes cortar o cabelo e falha miseravelmente. Apaixonada por ele, Karen (Ann Eleonora Jorgensen) é uma cabeleireira que após o falecimento da mãe descobre ser irmã de Olympia (Anette Stovelbaek), uma desastrada confeiteira, que cresceu com os abusos verbais do pai e acreditando que a mãe os havia abandonado para voltar a Itália. Para fechar o sexteto, há Giulia (Sara Jensen), uma jovem italiana que trabalha com HalvFinn e se sente atraída por Jorgen Mortensen.

Scherfig calca sobre os ombros das pessoas em tela, dificuldades de pessoas comuns de fácil identificação, do tipo de problemas que qualquer pessoa pode ter e cria insegurança aos que tem e aos que não tem. São pessoas comuns, com problemas comuns que acabam estourando internamente, tomando a vida de cada uma delas afundada em seu próprio mar de desanimo e infelicidade. Que escondem ou guardam para si.

Todos os personagens possuem seus próprios dramas pessoais, seja através da impotência sexual, o alcoolismo, violência verbal e física ou luto, e embora a trama ofereça soluções por vezes pouco cimentadas para os desafios que cada um enfrenta, todos lidam com seus problemas e encontram nas aulas de italiano uma fuga a solidão e inconsistência de suas vidas.
Fica interessante perceber o quanto a Itália está ligada a vida de cada um dos seis personagens e o quanto sua lembrança e inserção assumem papel de direcionamento na vida deles. Cada um tem seu relacionamento pessoal com a nação, seja pelas origens, o amor a uma mulher ou a um time de futebol, há uma conexão emergente entre eles que parece gritar a cada cena a expressão utilizada pelo professor na primeira aula de italiano de Olympia: “Quero uma passagem para a Itália”, e quem não quer?

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A diretora imprime a proeza de levar o expectador de forma sutil a passear pela dor e alegria dessa narrativa intimista, vale ressaltar que tudo projetado dentre os parâmetros do movimento Dogma 95, o que acaba por mergulhá-la numa obra em que o primordial não se apóia nos aparatos técnicos, afinal não há uso de filtros, trilha sonora, luz, locação, mas concentra-se na historia contada em tela, e, Scherfig alcança este objetivo ao finalizar sua película com o típico final feliz, que beira a onírico, na belíssima Veneza, que afasta o fardo de seus personagens. Acaba sendo um pouco cômica a maneira como a trama se desenrola, o que não perde seu prestígio, pelo contrário, confere a tonalidade leve e apaixonante que arremata o expectador. O latim não está morto e seus filhos ainda conectam pessoas.

Scherfig projetou em seu roteiro um filme cuja alegria e as satisfações do expectador acompanham a fluidez da narrativa, que se desloca de acordo com a dinamicidade da câmera adotada pelo Dogma, conferindo uma expressividade a personagem que o quanto de humanidade que possuem é tocante, surpreende. Difícil torna-se não se identificar com os sentimentos invocados por pessoas perdidas e trágicas, magicamente resgatadas por um curso de italiano.