Olhe bem ao seu redor.

Você é capaz de parar e identificar quantas coisas belas há ao seu redor? Observar uma fotografia e simplesmente abrir um sorriso? Ou ver aquele livro e recordar da sensação ao saber o final? Ou até mesmo rir da topada que deu no ventilador no meio da sua bagunça em um dia de domingo preguiçoso? Quanto nos tornamos pragmáticos ou objetivos demais nestes dias? Seja no trabalho ou em casa? Quanto da raiva e do ambiente pesado destes tensos dias nos fizeram perder a delicadeza?

Terceiro longa da carreira de Selton Mello, “O Filme da Minha Vida” traz como missão esse resgate de um espírito mais leve e um modo poético de lidar com a vida. Seja com o humor ou o drama, a obra transborda suavidade a ponto de fazer com que o público esqueça possíveis fragilidades da história ou um rebuscamento excessivo. Tudo isso sem ser tolo ou infantil.

A história não chega a ser um primor de originalidade: ao voltar para casa após fazer a faculdade na capital, o jovem Toni (Johnny Massaro) se depara com o sumiço do pai que teria voltado para a França sem avisar a família. Desiludido, o garoto se pergunta o motivo da referência da sua vida ter ido embora, enquanto começa a se apaixonar pela bela Luna (Bruna Linzmayer, que olhos!) e tenta encontrar um rumo. Desde obras como “Hoje eu Quero Voltar Sozinho” a “Boyhood” ou os filmes de John Hudges, tramas de transição da adolescência para a vida adulta são uma constante.

O que transforma “O Filme da Minha Vida” em um projeto digno de nota é a capacidade de Selton Mello observar estas mudanças de forma singela. Isso inclui, por exemplo, a escolha de Johnny Massaro como protagonista: um ator capaz de entregar somente com o olhar o doloroso processo de não-aceitação da fuga do pai ao escutar conselhos de Paco (Selton Mello) ou então se mostrar encantado com a cena de “Rio Vermelho”, clássico de Howard Hawks estrelado por John Wayne. Esta força faz com que a dimensão do drama vivido por Toni seja amplificado ainda mais pela sempre brilhante direção de fotografia do mestre Walter Carvalho.

O humor melancólico presente em “O Palhaço” volta a ser parte fundamental para dar o tom de “O Filme da Minha Vida”. Sacadas como o jovem garoto doido para ir ao bordel perder a virgindade ou o gordinho do ‘muito bom’ e até mesmo momentos pretensamente filosóficos como a lição do porco servem para quebrar a tensão da trama original sem isto soe de modo intrusivo. A música é outro elemento essencial para a criação da atmosfera do longa e, mesmo sendo óbvia a escolha de determinadas canções (“Coração de Papel”, por exemplo), se encaixa bem no projeto.

Pena que o longa seja por demais apressado ao encerrar a história e personagens importantes não ganhem a conclusão merecida pelo foco principal ser em como Toni lida com tais destinos. De longe, os mais afetados são Luna, que fica sem utilidade após a metade final do filme, e Paco, um sujeito tão rico com um final súbito e sem a complexidade emocional apresentada até ali. Melhor sorte possui Nicolas Terranova, cujo destino confere uma aura de sacrifício à figura interpreta muito bem por Vincent Cassel.

Selton Mello não é nostálgico por simplesmente achar que o passado é melhor e o presente uma droga. Com seu tom melancólico, Toni recorda com saudades do que teve e perdeu pelo caminho, mas, cresce ao perceber que é preciso avançar e seguir em frente em uma transição por vezes dolorosa, mas, necessária. Como andar de bicicleta em que precisa de uma mão até seguir em frente. Isso sempre com a delicadeza no olhar.

Olhe ao seu redor e pergunte: onde está a sua delicadeza?