“[…] toda nossa história está focada na exploração e na morte”.
Júria Lima, Dramaturga.

Esta frase forte e angustiante é da Júria Lima, uma das vozes no documentário “Resistência” que clama por notoriedade de um descaso centenário. Roteirizado e dirigido por Juraci Júnior (“Nazaré: Do Verde ao Barro”) e produzido pela Casa do Rio Filmes, a obra apresenta o lado nefasto de estratégias políticas de engrandecimento, poder de capital, exploração e um verdadeiro genocídio ocorridos na Era da Borracha, nos fins do século XIX, com a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, na nossa Floresta Amazônica.

Não somente os bens naturais foram explorados e violentados, mas o seu povo, principalmente os povos originários. Capitalismo e morte andam juntos e a construção dessa ferrovia mórbida ainda ressoa nos dias de hoje. O ciclo da borracha deixou suas marcas, feridas profundas e consequências sociais ainda impressas em uma sociedade fragmentada por esse transporte de perdas. Como se sabe, a construção da ferrovia foi uma catástrofe e muitas vidas foram ceifadas, há muito sangue derramado por entre as linhas ferroviárias.

Em pouco mais de oito minutos, Júnior faz um recorte, entre fortes depoimentos e imagens históricas desse momento que deixou suas marcas, esquecendo os nomes que se perderam em busca por um futuro melhor representado pelos imigrantes nordestinos e/ou estrangeiros e os povos indígenas na resistência em manter a integridade de suas vidas e da floresta.

Um dos momentos mais fortes é o da Doutora em Educação Cledenice Blackman, para ela a ferrovia é um “cemitério ao céu aberto”, pelos altos índices de mortalidade que hoje, cidade e população têm que conviver com essa memória mórbida. Memória? Quem se lembra dos nomes perdidos? Da luta dos povos originários, quem os ouve? A banalização da vida dessa memória apagada que têm seus resquícios cruéis mantem a invisibilidade de um tema recorrente. E “Resistência” é para além do significado da palavra, é insistir na dignidade humana comprimida pelo poder.

Os descendentes dessa era tão histórica quanto cruel marcam as gerações que cresceram com essas dores profundas, com histórias, traumas e anseios das vozes que ecoam por entre eles que aqui estão para denunciar, viver e insistir na memória para que não se possa cair no esquecimento, pois a política do apagamento é uma realidade, mas as suas vozes são mais fortes.