Seria muito fácil analisar “O Jogo da Imitação” a partir do aspecto de se o filme merecia ou não ser indicado a 8 Oscars e com possibilidade de tirar a estatueta principal das mãos de “Birdman” e “Boyhood”. Evidente que o conservadorismo da produção dirigida por Morten Tyldum não possui a importância para o cinema do que os desafios técnicos e a acidez na crítica à Hollywood apresentados por Alejandro González Inãrritu, muito menos consegue atingir a proeza naturalista de Richard Linklater. Porém, até que ponto se deve invalidar as qualidades dessa produção por possíveis exageros da Academia?

Filme bastante irregular, “O Jogo da Imitação” alterna momentos de acerto com outros em que se percebe falta de ousadia em imprimir um tom mais crítico em relação à história de Alan Turing, matemático inglês responsável por quebrar o código de comunicação nazista durante a Segunda Guerra Mundial e dar início à virada no rumo do confronto a favor do Aliados.

Trabalho de estreia em longas-metragens como roteirista, Graham Moore faz o básico ao resumir toda a trajetória de um homem intrigante com o intuito de percorrer o passado para tentar entender quem ele era. Dentro desse objetivo, o filme consegue ser bastante efetivo ao trazer traumas do passado como as constantes agressões sofridas na época de escola e a perda de uma pessoa querida como razões para o protagonista ser tão averso nas relações sociais aliado ao fator de ser homossexual em uma época em que isso era considerado crime na Inglaterra. Toda construção narrativa de “O Jogo da Imitação” aponta a ironia de um sujeito capaz de identificar os maiores problemas matemáticos do mundo daqueles capazes de levar milhões de anos para serem desvendados, mas sem habilidade para decifrar as variantes do relacionamento humano mais básico.

o jogo da imitação benedict cumberbatchBenedict Cumberbatch aproveita o potencial oferecido pela figura de Alan Turing para transmitir essas ambiguidades ao trazer, ao mesmo tempo, um sujeito obstinado e frágil, perspicaz e ingênuo. Isso se eleva ainda mais pelo competente trabalho da montagem capaz de intercalar satisfatoriamente bem três linhas narrativas e uma direção de fotografia com leves diferenças de tonalidade para situar o espectador.

“O Jogo da Imitação”, entretanto, se ressente de um diretor experiente para extrair mais do potencial que filme tenta elaborar em determinados momentos. Com apenas “Headhunters” na carreira, Morten Tyldum limita-se a fazer um filme de superação sem brechas para ambiguidades. Chega a ser incômodo logo no começo do filme como se ressalta – por mais de uma vez em curto espaço de tempo – a importância de se quebrar o código nazista e como é difícil tal feito. Nessa linha da simplificação, a opção por tratar uma importante etapa rumo ao objetivo final de Turing como um jogo de cruzadinha traz a busca do filme por mesclar drama e humor, aposta essa que somente não se revela errônea pelo talento de Benedict Cumberbatch e Keira Knightley (mal aproveitada em uma personagem sem rumo exato na história), já que essa tentativa de tornar tudo leve transmite a impressão de desconexão com o universo em que a trama se passa.

Morten Tyldum falha mesmo ao buscar um final redentor a Alan Turing. Qualquer diretor com mais pulso olharia para o destino do personagem e exploraria um jogo de contrassenso sobre como um sujeito importante para a destruição de um regime bárbaro acaba sendo tratado de maneira brutal por um modelo considerado mais “humano”. “O Jogo da Imitação”, porém, prefere uma trilha sonora emotiva com Benedict Cumberbatch na única cena de desespero e choro do protagonista. Tudo para arrancar o choro fácil da plateia sensibilizada por um homem que nunca se sentiu à vontade com outras pessoas pelo medo da não-aceitação do diferente. A frase de efeito dita pela personagem de Keira Knightley sobre um mundo melhor soa até como uma grande e involuntária piada se trazida para o tratamento a qualquer minoria nos dias atuais.

Se tivesse que responder ao questionamento feito na primeira linha dessa crítica, fica claro que “O Jogo da Imitação” não merecia as 8 indicações – especialmente as de Morten Tyldum, Keira Knightley e trilha sonora. Poderia, sem dúvida, ser mais relevante caso optasse por um olhar mais contestador, porém, se mostra competente ao trazer uma história pouco conhecida e extremamente importante sobre a Segunda Guerra Mundial.