Deveria começar este texto dizendo as frases típicas vistas por aí entre cinéfilos e jornalistas culturais: o Oscar não vale nada, é um prêmio de marketing, quadrado, de uma indústria engessada, machista como a americana. Poderia reclamar da vitória de Eddie Redmayne em “A Teoria de Tudo” contra Michael Keaton por “Birdman”, falar de quão longa e tediosa foi a cerimônia com um decepcionante Neil Patrick Harris de apresentador ou momentos piegas para limpar a barra como todo mundo chorando na canção “Glory”.

Estaria na moda, com certeza.

Mas posso ir adiante.

Falar dos clichês das injustiças – Kubrick, Hithcock, Chaplin, “Cidadão Kane”, “Uma Rua Chamada Pecado”, “Taxi Driver”, “Touro Indomável”, Fernanda Montenegro, “O Segredo de Brokeback Mountain” – e dizer como os festivais de Cannes, Berlim e Veneza são muito mais importantes e interessantes seriam falas engajadas também para mostrar como não sou um sujeito culturalmente dominado por esse imperialismo dos EUA que Hollywood busca fazer predominar.

O óbvio, mas o óbvio faz sucesso.

Sinto desapontar, mas, vou pelo outro caminho: o Oscar é legal para cacete!
Vamos aos cinco motivos disso:

Julianne Moore Oscar 20151) Desculpa para ver filmes

Quer justificativa melhor para fazer maratonas cinematográficas seja no cinema ou em casa? “Perdão, mas, não posso sair hoje; estou vendo os filmes do Oscar a tempo da cerimônia” é uma desculpa que qualquer não-cinéfilo aceita e até pode se juntar a você de bom grado nesse desafio. Em um fim de semana, ver os 8, 9, 10 indicados em Melhor Filme. Depois vamos para as categorias de animação, documentário, estrangeiro, curtas-metragens e técnicas. No final das contas, dá para assistir umas 30, 40 produções. Claro que ainda tem aqueles considerados injustiçados para você ver e depois falar mal da Academia, o que aumenta ainda mais a lista para uns 50, 60 filmes. E por fim: por que não fazer um flashback das edições anteriores da festa com os principais vencedores ou perdedores?

2) Filmes fora do rotineiro ganham destaque

A Variety publicou um artigo dias antes do Oscar com o título: “Se a disputa está entre ‘Boyhood’ e ‘Birdman’, bom para o cinema”. Apesar da corrida intensa entre essas duas produções pela estatueta dourada elevar o clima de divergência entre os fãs dos filmes, há de se ficar muito feliz quando projetos tão ousados e diferentes do habitual se tornam centro das atenções.

Legal também ver obras como “Whiplash”, “O Grande Hotel Budapeste” e “Selma” terem a mesma atenção e atingirem um público tão diversificado sem ficar fechado no círculo de festivais, cinéfilos e jornalistas. O mesmo acontecera em anos anteriores trazendo obras excelentes que ficariam restritas a um pequeno público se não fosse o peso do Oscar, como nos casos de “Nebraska”, “O Artista”, “Conduta de Risco”, “Assassinato em Gosford Park”, “O Paciente Inglês”, entre outros.

Muito, muito melhor discutir e dedicar tempo a esses filmes do que quando chegamos em maio ou agosto e vemos os cinemas dominados pela mais nova sequência de Hollywood do momento (“Transformers 8” e “Velozes e Furiosos 19”) ou o fenômeno teen da temporada (“A Saga Divergente/Percy Jackson/Crepúsculo/Dezesseis Luas”) ou a comédia nacional da vez estrelada por Leandro Hassum e Fábio Porchat (“Até que a Sorte nos Separe 5”).

Eddie Redmayne Oscar 20153) Debates cinéfilos

Tão bom quanto ver filmes é poder falar sobre eles. Discutir sobre as qualidades ou defeitos dos indicados ao Oscar, o histórico da premiação, quem deveria ou quem vai ganhar os prêmios, curiosidades da festa, xingar as injustiças e saudar aquelas vitórias dos nossos filmes queridos, lembrar de quando deixou de levar a premiação a sério fazem parte de toda essa temporada de premiações, sendo isso elevado à décima potência na semana da cerimônia.

Qual outro momento do ano em que o debate sobre cinema ganha tanta intensidade e tanta gente interessada como na época do Oscar?

Coitado daquele que não chega a ser tão cinéfilo quanto a gente para aturar esse papo, pois assunto não termina quando se trata de Oscar.

4) Criar novos cinéfilos

Ok, essa parte é quase utópica, mas, por que não?

Mesmo com todo marketing e politicagem, o Oscar ainda traz os melhores exemplares produzidos pelos EUA no cinema, especialmente, vindo dos estúdios independentes ou de braços voltados para filmes artísticos dos grandes estúdios como, por exemplo, a Fox Searchlight. Apesar de cometer algumas injustiças (“Batman – O Cavaleiro das Trevas”), a Academia ainda resiste a transformar o evento em um MTV Movie Awards na escolha dos filmes selecionados.

O glamour do Oscar chama a atenção do mundo inteiro a ponto de fazer com que uma parte das pessoas dispostas apenas em assistir filmes no fim de semana se interessem pelas produções indicadas.

No meu mundo perfeito, por que não acreditar que pelo menos 1% desses espectadores abram os olhos para outras possibilidades narrativas e tempos fílmicos diferentes do que se acostumaram, para propostas ousadas como “Birdman”, “Boyhood”, “O Grande Hotel Budapeste”, “Nebraska”, “A Árvore da Vida”, “Onde os Fracos Não Têm Vez”, “Sangue Negro”, entre outros? Isso ajuda a criar novos públicos para essas produções e gerar novos cinéfilos.

Sonhar é de graça.

5) Trabalho divertido

Há quatro anos faço a cobertura do Oscar. Começou no blog do Set Ufam e no Cine Set desde 2013. Eu mesmo não consigo assistir nada da cerimônia, já que fico com a cabeça grudada no computador. Mesmo assim, admito se tratar do momento mais legal e cheio de adrenalina do ano fazer uma cobertura com seis a sete horas de duração com videocasts, comentários, interação com o público e informação. Acredito que outros sites ou blogs na internet também sintam esse mesmo clima e ver as redes sociais com o cinema sendo o principal assunto faz valer a pena seguir com o trabalho.

Alejandro Gonzalez Inarritu Oscar 2015Resumindo…

Sim, o Oscar tem graves problemas quase impossíveis de serem solucionados como a politicagem, o peso do marketing na escolha de indicados e vencedores, o conservadorismo da Academia fruto de uma Hollywood ainda excludente e fechada (“Selma” que o diga), as escolhas pelo mais visual do que pelo delicado e menos óbvio (Redmayne x Keaton; “Birdman” x “Boyhood”), a cerimônia extensa e muitas vezes tediosa.

Esse panorama da Academia reflete um momento preocupante do cinema americano cada vez mais sem saída para essa tonelada de sequências despejadas todos os anos nas salas de exibição (sacaneados por Jack Black no número inicial do Oscar), o sem-fim de adaptações de HQs (sacaneados por “Birdman”), os raros casos de roteiros e propostas originais e uma migração de astros à procura de bons personagens para a televisão (Kevin Spacey, Jeff Daniels, Robin Wright, Viola Davis, Claire Danes, Clive Owen).

O Oscar é apenas o retrato disso mais claro e premiar a produção de Alejandro González Iñarritu serve como espécie de autocrítica para esse cenário. Diga-se de passagem, uma autocrítica hipócrita, pois nada mudará no front pelos próximos anos: basta dar uma olhada na lista feita pelo Cine Set sobre as principais estreias nos cinemas em 2015 para ver que predominam as sequências e reboots. Roteiro original voou junto com “Birdman”.

Mesmo tendo ciência disso ainda é possível se divertir sem culpa evitando discursos chatos trasvestidos de uma pseudo-superioridade sobre quem acompanha o Oscar. Basta saber aproveitar a temporada de premiações para ver filmes como um louco, escolher seus favoritos e, se ele não ganhar, relaxe: não vale a pena se estressar.

É só o Oscar.
E ele é legal para cacete!

patricia arquette j.k. simmons oscar 2015