TEXTO SEM SPOILERS

Em 2018 se comemoram dez anos de produções do Marvel Studios nas telonas, e de lá para cá o cinema nunca mais foi o mesmo. Agora, com “Os Vingadores: Guerra Infinita”, seu 19º. filme, fica absolutamente clara a estratégia da companhia, e o segredo do seu sucesso: o novo filme dos heróis Marvel é um season finale, um “final de temporada” do maior seriado já visto em todos os tempos, um que passou não nas telinhas de nossas casas, mas nas telas grandes dos multiplexes de todo o mundo. Pois, como todo final de temporada que se preze, Guerra Infinita é repleto de momentos dramáticos e grandiosos, e também de alguns outros destinados a deixar o público pensando: “Não acredito que isso aconteceu!”.

É um filme que começa cumprindo uma promessa de seis anos da Marvel: Na cena pós-créditos do primeiro Os Vingadores (2012), aparecia ele, Thanos, o titã louco do Universo Marvel das HQs. Em “Os Vingadores: Guerra Infinita” ele finalmente entra em ação, levando a cabo sua busca pelas Joias do Infinito, capazes de lhe trazer poder incalculável para destruir metade do universo. Duas das joias estão na Terra, sob poder dos Vingadores – o que não impede Thanos de vir ao nosso planeta e também percorrer o espaço em busca das joias restantes, fazendo os heróis aos quais nos afeiçoamos pela última década viverem o maior desafio das suas vidas.

Thanos é vivido por Josh Brolin e seu personagem é o aspecto mais curioso e impressionante do filme. A história do filme é, em si, rasa: as Joias do Infinito não passam de bons e velhos MacGuffins, aquele artifício do roteiro destinado a manter as peças se mexendo no tabuleiro, com todos os personagens em busca delas. Porém, ao mesmo tempo, o roteiro se esforça para injetar drama e tridimensionalidade ao vilão, para que compreendamos os seus motivos, por mais que discordemos dele. A atuação de Brolin também é precisa e sobrevive à captura de performance – seu rosto arroxeado transparece mais emoção que todos os antagonistas dos filmes Marvel até o momento. E constatamos, chocados, ao final que Thanos era na verdade o protagonista do filme o tempo todo. É como se o estúdio dissesse: “Tá bem, vocês sempre reclamaram dos nossos vilões, agora toma, vejam esse”!

E na verdade, o fato de a história ser rasa é até compreensível devido à grande quantidade de personagens presentes em Os Vingadores: Guerra Infinita: praticamente todas as figuras do Universo Marvel do cinema estão nele. A grande diversão está mesmo na interação entre elas: seja nas picuinhas entre Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) e Tony Stark (Robert Downey Jr.), ou nas cenas de Thor (Chris Hemsworth) junto aos Guardiões da Galáxia, fica claro que os diretores de Guerra Infinita, os irmãos Anthony e Joe Russo, conseguiram repetir a façanha de Capitão América: Guerra Civil (2016). Junto com os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely, eles conseguem dar a esse pessoal todo ao menos alguma coisa para cada um fazer dentro da história.

Aliás, essa também é a grande razão pela qual o filme funciona: nossa familiaridade, nosso conhecimento dos personagens, construído ao longo dos anos – tal e qual num bom seriado, ou mesmo numa longa série de HQs. Aproveitando-se de que estamos vendo uma culminação, um ponto crucial da história do Universo Marvel, os roteiristas e os diretores capricham nas sacadas, como no humor, as referências trazidas pelo Homem-Aranha (Tom Holland), a transformação divertida do conhecido ator anão Peter Dinklage em gigante… Acima de tudo, “Os Vingadores: Guerra Infinita” representa diversão pura no cinema, em grande parte devido a esse espírito de narrativa construída de maneira orgânica. O público se diverte bastante… Até as coisas começarem a ficar bem dramáticas na meia hora final.

Até lá, algumas decisões da história são meio questionáveis: usar um velho personagem desaparecido há muito no Universo Marvel como especialista numa das Joias do Infinito não faz muito sentido, e na segunda hora o ritmo decai um pouco enquanto as engrenagens da história se posicionam para o ato final. E acima de tudo, o impacto do filme dependerá (e muito) do que virá a seguir dentro deste universo. Nós, que já estamos escaldados com narrativas contínuas, seja nos quadrinhos ou na TV, não podemos evitar ver com certo cinismo algumas das decisões narrativas de “Os Vingadores: Guerra Infinita”. Mas, enquanto o filme está acontecendo, é praticamente impossível não se empolgar com ele, em algum momento, de alguma forma.

Hoje em dia as fronteiras entre cinema e TV se dissolveram, perderam a importância. 10 anos depois, fica claro que o Marvel Studios sobreviveu e prosperou – bem, mais do que prosperou, até me arrisco a dizer que Star Wars, o grande fenômeno da história da cultura pop, já vê o seu lugar nesse pódio ser ameaçado pela Marvel – porque fez no cinema a mesma coisa que fez por anos nos quadrinhos. Seu modelo de narrativas contínuas e interligadas funciona, também pegando deixas do que os seriados de TV já faziam muito antes da produtora pensar em fazer seus filmes. Mesmo quando eles se focavam em heróis específicos e contavam suas aventuras, os filmes sempre apontavam para algo maior, e agora esse algo maior chegou. No jargão de roteiristas, chegou a hora do payoff, da recompensa por todas as pistas e pelo investimento de anos por parte do público. Como qualquer final de temporada de uma série popular, “Os Vingadores: Guerra Infinita” diverte, provoca arrepios, deixa o público tenso e ansioso pelo próximo episódio. Pois bem, que venha a próxima temporada.