Juro que vi como subtítulo do filme “A História de Claudinho com Buchecha” e não “A história de Claudinho e Buchecha”. Talvez por ter sido a impressão que ficou em mim após a exibição do filme de Eduardo Albergaria. A partir do ponto de vista de Buchecha (Juan Paiva), “Nosso Sonho” explora a relação da dupla de funk melody tendo como ponto central a conexão entre eles e o fim trágico da parceria como uma espécie de fantasma.

Fico assim sem você

Seguindo a estrutura convencional de uma cinebiografia nacional, o roteiro se preocupa em colocar a figura de Claudinho (Lucas Penteado) como um “ser mágico”, constantemente disposto a salvar a vida do amigo, seja literal como na infância, seja metaforicamente, quando o incentiva a desabrochar seu talento para as composições. Este encantamento presente no personagem e na forma como Buchecha o enxerga oferece a trama – embora batida – um forte tom emotivo, carregado de ternura e delicadeza, sendo uma homenagem singela ao artista que nos deixou em 2002. 

A cena inicial já denota os caminhos escolhidos pela equipe liderada por Albergaria: “O que vou fazer sem você, Claudinho?” A partir deste questionamento, “Nosso Sonho” não apenas desenha o funcionamento da amizade dos dois que a produção quer vender – o encantamento -, mas também pontua bem a personalidade dos artistas. Enquanto Claudinho tem uma personalidade solar, vendo sempre o lado positivo das situações e motivando o amigo; Buchecha parece ser mais reservado, racional. Parte disso se deve ao seu relacionamento com o pai Claudino (Nando Cunha) – algo também explorado pela narrativa – que o trata de forma passivo-agressivo como se nutrisse uma raiva acoplada a inveja pelas decisões do filho. 

Pai vs Filho – as camadas

Na verdade, o sentimento que melhor descreve o personagem de Cunha é a frustração. A relação deste com o filho é a caracterização com mais camadas e complexidade que “Nosso Sonho” exibe, uma vez que, por meio dela, é possível compreender o cenário socioeconômico de onde se originou a dupla, além de levantar outras questões intrínsecas ao ambiente berço do funk nacional como violência doméstica, alcoolismo e o despertar/sufocamento de um talento. É uma pena que todos esses pontos são apenas pincelados sem ter nenhum aprofundamento, colocando os conflitos familiares em segundo plano. 

Curiosamente, o roteiro sempre traz o assunto à tona, como se o mesmo permeasse toda a trajetória da dupla, também. A escolha mostra ser um ponto negativo da produção, uma vez que se apegam tanto a essas conexões, colocando seus altos e baixos como plots e barrigas da vida de Buchecha, que esquecem as personagens femininas que também orbitam a trajetória dos protagonistas. Todas são relegadas a suas funcionalidades – mãe, tia, esposa – sendo ignoradas em seu processo. Um exemplo disso é a mãe do personagem de Paiva, o pivô da partida do filho para o morro do Salgueiro, mas em nenhum momento se apresenta ou se discute como esta se sente em relação a Claudino.

Produto de seu tempo

Apesar de não aprofundar a questão social, “Nosso Sonho” traz em seu plot central algo importante a ser visto no Brasil contemporâneo: o relacionamento entre dois homens negros. Masculinidade, negritude, vida na favela e ascensão são algumas discussões que atravessam a trajetória de quase oito anos de carreira de Claudinho e Buchecha, as quais também tangem a jornada de várias crianças periféricas. Enquanto ouvimos os hits do duo funkeiro, mergulhamos em uma análise empírica desse modo de vida, ainda que algumas letras não tenham envelhecido como vinho, vale ressaltar o quanto dizem sobre o período em que foram escritas. 

Junto a tudo isso, a dupla Juan Paiva e Lucas Penteado brilha. Penteado começa o filme um tanto infantilizado, mas conforme a história avança, percebe-se que tal característica faz parte da personalidade de seu personagem. Ele passa um carisma e vibração que são fundamentais para motivar Buchecha, já que cabe a Paiva ser um pouco mais introspectivo. Seus momentos dramáticos são mais intensos e o ator consegue transpassar bem essas caracterizações, denotando o quanto ele é um dos melhores de sua geração. 

“Nosso sonho” tem seus pontos altos e baixos, porém é um filme com muita alma e que demonstra o quanto nada apaga o que brilha na memória, neste caso entregando o segredo do sucesso da dupla carioca: o quão singela era a relação de irmandade entre Claudinho e Buchecha.