Steven Spielberg era, ao mesmo tempo, o cara certo e errado para “The Post – A Guerra Secreta”.

Certo porque não há diretor mais respeitado tanto pela indústria de Hollywood quanto pelo público do que ele. Isso o torna uma espécie de porta-voz do cinema americano mundo afora – o mesmo vale para Tom Hanks e Meryl Streep entre os atores.

Errado porque há sempre o risco de Spielberg cair nas próprias armadilhas narrativas com excesso de pieguice, didatismo e maniqueísmo. Nem sempre foi assim nos filmes mais adultos, claro, como prova “Munique”, porém, “Amistad” está aí para nos assombrar.

Infelizmente, “The Post” está mais para “Amistad” do que para “Munique”. O longa trata sobre a luta de jornalistas para tornar público documentos sigilosos sobre como o governo dos EUA encobria informações importantes da sociedade em relação à Guerra do Vietnã e ao fracasso do país no conflito. Acima de tudo, busca ser uma crítica cheia de paralelos históricos ao atual momento vivido pelos EUA com Donald Trump.

O QUE DEU ERRADO

O maior desafio de Steven Spielberg em filmes mais adultos é controlar o ímpeto de adotar a postura excessivamente emotiva que aplica aos blockbusters rotineiros com o bem e o mal definidos. A missão de “The Post” em defender a liberdade de imprensa sendo um alerta à sociedade sobre governantes autoritários, entretanto, não contribui para uma jornada mais equilibrada.

Como um lead dos mais tradicionais, “The Post” busca ser o mais claro possível em suas mensagens. Para tanto, o roteiro da dupla Josh Singer (“Spotlight”) e da estreante Liz Hannah bombardeia o público com frases de efeito a todo instante como “temos que monitorar o poder deles” ou discurso piegas da personagem de Sarah Paulson (muito mal utilizada) sobre os sacrifícios da dona do jornal Kay Graham, interpretada por Meryl Streep. Isso para não citar a sequência em close de uma jornalista com lágrimas nos olhos, no meio da redação falando para os colegas, a declaração de uma autoridade de que a imprensa deve servir aos governados e não aos governantes. Para deixar Christopher Nolan com ciúmes de tanto didatismo, Spielberg ainda resolve dar uma voz de vilão de “Transformers” para Richard Nixon.

A trama até busca uma complexidade maior ao mostrar como a ligação entre a imprensa e o poder muitas vezes se confunde e atrapalha o real interesse do público, ou seja, o bom jornalismo. A amizade entre o diretor da redação do Washington Post, Ben Bradlee (Tom Hanks), com os Kennedy ou a frase de Graham de ser difícil negar um pedido de um presidente soa tão atual quando colocados no nosso contexto brasileiro e amazonense. São, nestes momentos, que “The Post” parece dar um sinal de que irá além de um discurso panfletário e fazer uma análise mais aprofundada da imprensa em geral.

Porém, o filme incorpora uma defesa muito conveniente de que os personagens de Hanks e Streep foram enganados tanto como o povo americano em uma fala de Bradlee ao ver uma fotografia dele ao lado de JFK. Isso, claro, acompanhado de uma frase de efeito. Acreditar que uma dona de jornal e um jornalista experiente foram ingênuos por tanto tempo ao lidar com pessoas tão poderosas sem ter escutado nada sobre possíveis erros dos ocupantes da Casa Branca não contribui em nada para a missão de “The Post”. Defender a liberdade de imprensa sempre será necessário (e aqui fala um jornalista formado e em atividade), mas, olhar os seus agentes com complacência não fortalece em nada o debate.

Feito em ritmo acelerado para os padrões hollywoodianos (as filmagens aconteceram pouco depois do Oscar 2017 para ser lançado já no fim do mesmo ano), “The Post” ecoa esta pressa. A fotografia de Janusz Kaminski nunca foi tão previsível e burocrática como na sequência em que o repórter interpretado por Bob Odenkirk (desperdiçado totalmente) vai encontrar o responsável pelo vazamento dos dados. É verdade que a escolha do jogo de sombra e luz até funciona ao dimensionar o espectador no universo sufocante dos personagens, mas, para um mestre como ele, soa como um trabalho pouco elegante de solução óbvia. Os alívios cômicos soam deslocados e não chegam a causar o efeito desejado (o que é o repórter de assuntos gerais tentando explicar como os documentos chegaram na mesa dele?), enquanto o figurino também toma rumos já esperados, especialmente, no choque entre advogados muito bem vestidos e jornalistas sem ternos e gravatas para dar o contraste.

O QUE SE SALVA

Aqui, você já pode imaginar a resposta.

Meryl Streep somente prova que consegue fazer qualquer papel e dar o tom necessário a ele. Desde a insegurança no olhar em uma reunião de negócios em que questiona a si própria se deve se posicionar ou não passando pelo jeito polido e educado de falar em contraste contra o expansivo Bradlee até a grande cena em que toma uma importante decisão na parte final de “The Post”, a indicada ao Oscar mostra um repertório vasto para criar uma figura delicada a partir de uma interpretação contida.

Nem mesmo quando Spielberg tenta sabotar o trabalho dela como a conversa de Graham e a filha embalada por uma trilha sonora piegas de John Williams (um trabalho, diga-se de passagem, abaixo da média do maestro) é suficiente para tirar o brilho de Streep e fazer de “The Post” um dos melhores trabalhos recentes dela nos cinemas.

Não é à toa que justamente a questão feminista na sociedade americana seja a melhor trabalhada em “The Post”. Isso se deve além da personagem de Streep; também há um Spielberg mais comedido, deixando as imagens falarem por si só. Isso rende momentos marcantes como as mulheres do lado de fora tanto da Bolsa de Valores quanto da Suprema Corte dos EUA.

Abaixo da companheira de cena, Tom Hanks também vai bem e compõe uma ótima dupla com Streep. Sempre muito eloquente, o diretor da redação se torna um contraponto à dona do jornal, o que gera uma parceria ideal pelo respeito que possuem um pelo outro e como se complementam.


RESUMO DA ÓPERA

Sem dúvida, “The Post – A Guerra Secreta” tem todas as boas intenções do mundo ao defender a liberdade de imprensa, o feminismo e a necessidade de fiscalização do governante por sua população. Spielberg até o faz, mas, exagera tanto nas tintas que ganha ares de sensacionalismo.