“Censor”, longa de estreia de Prano Bailey-Bond, é um terror com completo controle de sua atmosfera feito sob medida para agradar fãs do gênero. O filme, que estreou na seção Meia-Noite do Festival de Sundance e foi exibido na mostra Panorama da Berlinale deste ano, é um tenso retrato de uma personagem no limite.
O ano é 1985: Enid (Niamh Algar) é uma censora na Inglaterra lidando com a explosão dos chamados “video nasties” – filmes de terror de baixo orçamento e super sanguinolentos que causavam a ira da sociedade civil do país na segunda metade da gestão Thatcher.
Sua abordagem draconiana diante do seu trabalho vem de um profundo senso de dever. Enid faz parte do órgão estatal que atende ao pedido de banimento dos filmes, acreditando estar protegendo a população da degeneração e da violência.
Porém, seu afinco também vem de um trauma profundo: o desaparecimento de sua irmã, ocorrido quando ambas eram meninas. O fato, do qual ela não consegue se lembrar claramente, a marcou pelo resto da vida.
Quando seus pais decidem obter um certificado de óbito para declarar sua irmã legalmente morta, a negação de Enid toma proporções severas. Para complicar a situação, ela se vê tendo de avaliar um filme cuja trama tem uma semelhança aterradora com o que ocorreu com sua irmã. Com a polícia dando o caso como encerrado, ela resolve buscar respostas por conta própria.
MEDO DENTRO DE SI MESMO
A premissa de “Censor” parece vinda direta de uma aula de Introdução ao Terror, mas o que mais chama atenção é como Bailey-Bond organiza os elementos à sua disposição para criar uma aura sufocante que permeia o longa do início ao fim.
O roteiro, escrito pela diretora galesa juntamente com Anthony Fletcher, incorpora temas e imagens de sua colaboração anterior (o curta “Nasty”), mas é mais amplo no uso de referências históricas para dar vida a uma Inglaterra paranoica e opressora. Aos poucos, a protagonista vai deixando sua vida controlada e entrando num caminho sem volta em busca de um senso de resolução para o seu passado.
Boa parte do trabalho em deixar essa trajetória crível para além dos clichês narrativos do gênero (os quais a diretora emprega em doses saudáveis) está nas mãos da atriz Niamh Algar, que está magnética como Enid, ainda que o elenco de apoio cumpra seu papel com excelência. O produtor cafajeste interpretado por Michael Smiley (de “Come to Daddy” e da série “Black Mirror”), por exemplo, rouba toda cena em que aparece.
Conforme Enid se aprofunda na sua investigação, o filme convida a audiência a perceber como a memória é um processo de edição – e censura – que serve a algum propósito. Em “Censor”, para além das decapitações e outras mortes violentas, o que dá mais medo é o ser aterrorizante que a maioria das pessoas guarda dentro de si. No algoz interior, o botão de pausa não faz efeito nenhum.