Meu caro amigo, Renildo Rodrigues, disse uma vez que os filmes sobre boxe, com seus dramas de superação das dificuldades, são uma metáfora perfeita da vida. Não tenho a propriedade dele para opinar sobre isso. O que posso garantir é que essa afirmação se encaixa em Rocky (1976), o clássico que apresentou Sylvester Stallone ao mundo.

Rocky Balboa (Stallone) é o lado B do Sonho Americano e mesmo assim reforça-o graças à mediocridade e depois ascensão da sua vida. Ele trabalha para um agiota como cobrador de dívidas e luta boxe amador  sem perspectivas nas horas vagas. Curta e grosseiramente, ele é um fracassado. Sua vida muda quando o campeão dos pesos-pesados, Apollo Creed (Carl Weathers), simpatizado com seu apelido, “Garanhão Italiano”, lhe dá a chance de desafiá-lo pelo cinturão da categoria, já que o desafiante anterior se machucou. A justificativa de Creed para o desafio é que, como a luta seria realizada no bicentenário da independência dos Estados Unidos, nada mais “inteligente” do que dar oportunidade a um desconhecido no país das oportunidades, ainda mais se esse joão-ninguém for italiano (na verdade, ítalo-americano), como o descobridor da América.

A luta, que também é o clímax do filme, é vencida por Creed. Calma, não escrevi um spoiler. Pouco importa esse confronto digno de Sessão Kickboxer. O que conta mesmo é o caminho que Rocky percorre até chegar ao fim. Stallone, que também escreveu o roteiro, e o diretor, John Avildsen, deixam claro que Rocky é um lutador na vida. Essa ideia é defendida no início do filme, com Rocky mantendo o bom humor apesar das dificuldades, no meio, quando ele supera seus limites no treinamento, e no fim, quando vai além do seu objetivo inicial de aguentar três rounds contra Creed.

Rocky foi um dos primeiros filmes a usar a Jornada do Herói para estruturar o roteiro. Lá está o herói que teve a vida mudada por um desafio (Rocky), o mentor (Mickey, interpretado por Burgess Meredith), o par romântico (Adrian, vivida por Talia Shire), o antagonista (Creed), a negação inicial de se aceitar o desafio. Hoje esse modelo dá sinais de cansaço, mas era novo em 1976. E, mesmo que a cena onde Rocky aceita a proposta de treinamento de Mickey pareça forçada, o filme tem momentos que entraram para a cultura popular. O grito de Rocky por Adrian e principalmente a cena do treinamento são conhecidos mesmo por gente que nunca viu o filme.

Com o perdão do clichê, a vida imitou a arte em “Rocky”. Stallone era aspirante a ator e fez seu filme sobre o boxeador com pouco dinheiro. Filmou-o em um mês e, com ele, se tornou a zebra do Oscar de 1977. Ganhou três Oscars, incluindo o de Melhor Filme, desbancando pesos-pesados como “Todos os Homens do Presidente” e “Taxi Driver” (!). Graças a “Rocky”, Stallone se projetou em Hollywood. Filmou cinco continuações de Rocky, fez e falou muitas besteiras. Apesar de tudo, Stallone também foi mais um que mostrou que o cinema americano, mesmo tendendo a ser “redondinho”, com uma “moral da história” e cheio de propaganda ideológica, consegue nos emocionar como nenhum outro.

rocky um lutador sylvester stallone
texto publicado originalmente no dia 8 de agosto de 2010 no blog do Set Ufam