Particularmente, não gosto da expressão “desligar o cérebro”. Acho que desvaloriza tanto a arte quanto a inteligência do público e… bem, o meu cérebro não vem com chave “on/off”, e acho que o seu também não, caro leitor.

Dito isso… Tem alguns filmes na história do cinema que parecem conseguir ativar essa chave metafórica, por mais que nós, os espectadores, tentem evitar isso. Alguns filmes nos envolvem não pela qualidade ou inovações que trazem, mas pela força com a qual conseguem deixar o espectador submisso à sua proposta. Armageddon, de Michael Bay, é um filme assim.

Esse exemplar marcante do cinema blockbuster norte-americano está completando 25 anos. Não é um filme que se possa chamar de bom, por critérios artísticos ou cinematográficos universalmente aceitos. Mas 25 anos depois, ele ainda é lembrado, zoado, querido por boa parte do público espectador de cinema. Então, alguma coisa ele tem e o estranho efeito que ele provoca ainda é sentido.

“Armageddon” consolidou o estilo do diretor, o “Bayhem”, como é conhecido (trocadilho com a palavra “mayhem”, que significa caos, tumulto, em inglês). Ora, o título do filme explode na tela. Com cinco minutos de projeção, Nova York já se encontra arrasada após uma chuva de meteoritos. Bay, o diretor, orquestra essas cenas com gosto e uma liberdade possível pelo fato do 11 de setembro ainda estar a alguns anos de distância. E logo de cara, percebemos o humor, o excesso, a câmera que simplesmente não para quieta – os poucos planos com uma imagem estática não ficam na tela por mais de cinco segundos.

PERMANECENDO NA MEMÓRIA

É o filme do asteroide: um belo dia, a NASA descobre uma pedra gigante no espaço vindo na direção da Terra – “do tamanho do Texas, é um destruidor de planetas”, diz o chefe vivido por Billy Bob Thornton. A única opção para salvar a Terra é destruir o asteroide pelo seu interior, enviando um grupo de perfuradores para chegar lá, furar um buraco de 200 e poucos metros de profundidade no meteoro, e implantar uma bomba nuclear. E os escolhidos são os malucos comandados por Harry Stamper (Bruce Willis). Harry, no entanto, ainda tem que engolir o romance da filha Grace (Liv Tyler) com o seu subordinado metido a bonzão, A.J. (Ben Affleck).

Armageddon tem um pouco de romance, muita comédia e muita ação. Acima de tudo, tem muito “Bayhem”: depois dos sucessos de Os Bad Boys (1995) e A Rocha (1996), dois filmes de ação de sucesso, a Disney deu carta branca a Bay e ao produtor Jerry Bruckheimer para fazer o filme-catástrofe definitivo. J. J. Abrams, que mais tarde faria Star Wars, foi um dos roteiristas. E por mais bombásticos que tenham sido seus filmes anteriores, aqui Bay consolidou pela primeira vez seu estilo publicitário/videoclíptico/patriótico. Tudo é grandioso: as piadas, algumas cenas com mulheres sendo sexualizadas, as situações, a ação.

E de alguma forma, acaba funcionando, nem que seja à força. É interessante voltar 25 anos no tempo e ver como o filme representou o protótipo do blockbuster da sua era. Affleck, até um ano antes, era um dos queridinhos do cinema independente norte-americano. Em Armageddon, ele já está assimilado ao sistema: já não havia mais duas Hollywoods, a do mainstream e a independente, competindo entre si. Willis, por sua vez, estava retornando à arena das grandes produções depois de passar alguns anos justamente nos filmes independentes e menores.

Curiosamente, Bay cerca seus dois astros com um monte de atores que despontaram mesmo nos independentes: além de Thornton, vemos no elenco Owen Wilson, Udo Kier, Peter Stormare, Steve Buscemi… Poucos anos antes de Armageddon, Stormare e Buscemi estiveram em Fargo (1996), dos irmãos Coen, e ambos voltariam a trabalhar com Bay em outros projetos.

Buscemi rouba o filme, e os atores tomam conta do segmento mais divertido dele, as cenas do treinamento, quando Bay encena uma versão demente do clássico Os Eleitos (1983). Willis também parece estar se divertindo à beça. As cenas de romance, no entanto, com Affleck e Tyler, são bobas e arrastam o filme para baixo. Ainda assim, boa parte do público tem na memória os momentos românticos de Armageddon ao som da balada do Aerosmith – aliás, tocam no filme outras canções da banda. Coisas assim ajudaram o filme a permanecer na lembrança do público.

RIVALIDADE COM “IMPACTO PROFUNDO”

Quando os heróis embarcam para o asteroide, “Armageddon” vira um borrão de pessoas gritando e cenas de tensão, algumas com o tempero da macheza extrema. Em dado momento, tem um terremoto no asteroide (!) e um dos personagens dispara uma metralhadora nas rochas (!!). À essa altura, o espectador já foi tão espancado que chegou ao ponto da submissão. O cérebro, de certa forma, não questiona mais nada, devido à intensidade do espetáculo visual.

Ainda assim, é preciso dizer que do ponto de vista do espetáculo, Armageddon envelheceu bem e Bay e seus técnicos fizeram um ótimo trabalho. A computação gráfica do final dos anos 1990 se sustenta bem – melhor que em alguns filmes recentes – e, devido às limitações da época, o filme ainda tem uma boa quantidade de efeitos práticos. O delírio visual das cenas no asteroide combina de forma eficiente os efeitos em computador com elementos reais como os cenários e veículos. É só comparar com o Godzilla de 1998 para ver como o filme de Bay estava em um nível superior, ao menos tecnicamente. Vale a pena mencionar esta bomba porque logo nos primeiros minutos de Armageddon, Bay tira um sarro com seu concorrente daquela temporada de verão hollywoodiano.

Em suma, Bay aqui descobriu a chave para desligar os cérebros de muitos espectadores de cinema: Armageddon é barulhento, longo, bombástico e a palavra “excessivo” nem consta do seu dicionário. Ainda assim, de novo voltando no tempo, naquele verão ele nem foi o único “filme de asteroide”: meses antes, Impacto Profundo estreou com uma pegada mais séria contando quase a mesma história, e só cedia ao espetáculo de destruição perto do seu desfecho. Bem, Armageddon pode ser descerebrado, mas é mais divertido que a ficção científica de Mimi Leder.

25 anos depois, Bruce Willis se aposentou das telas devido a uma doença infeliz, Ben Affleck virou bom diretor, Liv Tyler não virou uma estrela apesar de participar de alguns projetos interessantes, e Michael Bay… Bem, ano passado, ele lançou Ambulância: Um Dia de Crime (2022), que pareceu um retrocesso aos seus filmes dos anos 1990: barulhento, direto e sem pé nem cabeça, mas tão ridículo e excessivo que acabava divertindo, ao menos um pouco. Ele ainda sabe como apertar o botão off das nossas cabeças. De vez em quando.