Strip Solidão, de Flávia Abtibol, mostra-se como um importante trabalho dessa nova safra de filmes amazonenses. De certa forma é diferente dos seus colegas de geração, visto que consegue enveredar por uma espécie de meio termo, apresentando o lado regional e urbano de Manaus, sem apelar para exageros, contando a história das prostitutas que trabalham próximo ao porto da cidade.

Essa é, sem dúvida, uma boa qualidade do curta, mas isso não parece ser suficiente para encobrir as falhas do trabalho.

O filme começa nos apresentando a prostituta Juliana (Débora Ohana) em uma espécie de documentário. Depois de relutar, ela decide contar uma parte da sua vida ao entrevistador, e aí relembra um momento de sua vida em que quase desistiu de ser prostituta para tentar uma relação com um cliente.

Logo de cara, vê-se que o filme opta por estabelecer duas linhas narrativas, mesclando a história ficcional de Juliana com a vida real de prostitutas de Manaus. Acredito que trata-se de uma ideia interessante de Abtibol, mas ao mesmo tempo esse elemento escancara os maiores defeitos da produção.

Já que o filme quer assumir um tom naturalista, visto que ele mesmo mostra como é a “realidade” daquelas mulheres, ele acaba soando confortável demais, quando nitidamente queria ser o oposto disso. Pra um filme que quer mostrar esse submundo sujo, rasteiro, e de boniteza superficial, o que vemos é um trabalho, obviamente sério e bem intencionado, mas que não mergulha profundamente no que propõe.

É realmente louvável perceber que o curta tem uma grande entrega por parte do seu elenco, em que se vê uma unidade interessantíssima de atuações, com óbvio destaque para Débora Ohana, mas com os problemas apresentados pelo roteiro e direção, este trabalho dos atores torna-se muito prejudicado.

A mise em scene é bastante problemática por ser timidamente suja. Os longos planos mostrando o salão do prostíbulo atravancam o ritmo do trabalho, e deixa claro que estamos vendo a representação do que seria um bordel de periferia. Mas no fundo, o que vemos é o bordel de periferia mais comportado do mundo, fazendo com que aquele lugar se tornasse quase convidativo, com mulheres bem maquiadas, bonitas, homens comportados, e um lugar quase limpo.

Infelizmente não se tem a dimensão da rasa profundidade desse universo, e isso se deve muito ao inverossímil existencialismo da personagem principal. Aquele tipo de “ritual indígena” que acontece antes dela entrar no palco pra fazer a sua dança soa estapafúrdio. Primeiro que ele chama muito a atenção pra si, soando quase como um parêntese, como se dissesse à plateia que o filme terá uma (longa, arrastada) pausa para mostrar essa preparação da protagonista, e depois voltar para a trama; e segundo, e mais importante, aquilo não existe nesse mundo. E o próprio filme sabe disso.

A prostituta não faz um ritual antes de subir no palco, nem faz projeções sobre quem vai estar assistindo, não faz a dança como se aquilo fosse uma apresentação de uma obra de arte, e não se apaixona facilmente à primeira vista. É só mais um dia de trabalho, num lugar sujo, que trata a mulher como lixo, com homens fedorentos, baratas, ratos, num cano de pole dance gorduroso, com música cafona, e esperma em lugares inesperados. Todos os dias. E infelizmente o curta nem arranha a superfície deste universo, pois é muito bonito, bem maquiado, limpo e rebuscado.

E quando vemos o interessante final do trabalho, fica uma grande frustração, pois apesar dele ser bem montado e desenvolvido, soa artificial, como boa parte das suas intenções.

Uma pena, pois fica claro que o filme não quer isso, mas ao mesmo tempo parece não ter ficado disponível pra mergulhar mais fundo nesse inóspito ambiente.

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