A vitória de O Discurso do Rei no Oscar de 2011 parece ter deixado um travo amargo na garganta de muitos cinéfilos, até hoje. Para quem não lembra (ou não viu), o filme de Tom Hooper contava como o príncipe George (Colin Firth) conseguia superar a gagueira e ser levado a sério como líder, numa Inglaterra às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Uma história interessante, contada de forma simples (não confundir com simplória), convencional e envolvente, além de enriquecida pela atuação extraordinária do protagonista.

A grande controvérsia foi o filme ter ganhado o Oscar. Como um Juno às avessas, a obra de Hooper teve o apreço dos cinéfilos transformado em antipatia, a prova suprema de que a Academia não resiste a um passeio pelo Tâmisa, o triunfo da obra correta, sentimental, medíocre. E isso no ano em que A Rede Social trouxe a mais contundente análise cinematográfica sobre a geração Facebook, e Toy Story 3 coroou uma sequência de filmes excepcionais dos estúdios Pixar.

Todo esse preâmbulo serve pra colocar em contexto a chegada de A Teoria de Tudo aos cinemas brasileiros, a qual vem provocando ondas de antipatia e má vontade nos espectadores que se sentiram traídos pela premiação de 2011.

a teoria de tudoMelhor avisar, então: se você odiou Discurso, A Teoria de Tudo é um filme bem parecido. Ambientação nas altas rodas britânicas, história lacrimejante, uma atuação virtuosística, made-for-the-Oscar, do protagonista. Já se você gostou, então deve achar familiar a narrativa sólida, sem firulas, e se animar ao ver uma história ainda mais absorvente, centrada na figura do gênio da física e figurão pop Stephen Hawking, e com um trabalho verdadeiramente excepcional do protagonista Eddie Redmayne (Sete Dias com Marilyn, Os Miseráveis).

Baseado num volume de memórias da companheira de longa data de Hawking, Jane (Felicity Jones, muito bem no papel), o filme procura desvendar o homem por trás das descobertas revolucionárias da física, focando sobretudo na vida doméstica do casal. A princípio, o diretor James Marsh e o roteirista Anthony McCarten poderiam estar cometendo o mesmo erro de A Dama de Ferro (2011), onde a vida da ex-primeira-ministra Margaret Thatcher saiu purgada de todas as partes boas, mas A Teoria de Tudo, se se alonga um pouco nos dramas íntimos de Stephen e Jane, não perde de vista as realizações extraordinárias do homem.

A direção de Marsh, aliás, vai num estilo similar ao de Hooper, cuidadoso, “quadrado”, e a estrutura linear da narrativa também não traz grandes surpresas. O filme, porém, se destaca na produção de 2014 por causa do trabalho magnífico do elenco. Com bons atores em todos os papéis, grandes e pequenos, o filme honra a tradição inglesa no cinema, que há décadas não para de produzir grandes intérpretes. Do trabalho contido, baseado sobretudo no olhar e no semblante de Felicity Jones, à construção física meticulosa, atordoante, de Redmayne, passando pelas pontas ilustres de Emily Watson, como a mãe de Jane, e David Thewlis, como o professor de Stephen, A Teoria de Tudo ganha força e estatura no brilho de seu ensemble.

O filme tem um mérito adicional: apresentar todo um novo público à vida e obra de Stephen Hawking, único cientista a rivalizar com Einstein entre os nomes que aproximaram a física do grande público ao longo do século passado, com suas obras pioneiras em que traduziu conceitos avançados da ciência para a linguagem do dia-a-dia, como Uma Breve História de Tempo e O Universo numa Casca de Noz. Envolvente, bem realizado e com algumas das atuações mais fortes de 2014, sem ser, obviamente, uma obra-prima, A Teoria de Tudo junta-se a Uma Mente Brilhante e, assim espero, O Jogo da Imitação entre as obras que souberam unir grande ciência, uma história fascinante e bom cinema, para deleite do público mais popular. E que também merece ser lembrado no Oscar. Sem travo amargo na garganta, é claro.