Um homem sozinho chora em um cruzamento movimentado na Cidade do México, ignorado pela multidão. Esta cena – filmada em uma longa tomada – é o ponto de partida e a síntese de “Pornomelancolia”, longa de estreia do argentino Manuel Abramovich. Exibido no Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary depois de estrear em San Sebastian, o polêmico docudrama aborda a solidão contemporânea e o sexo performativo de forma potente, ainda que seu ritmo soporífero possa limitar sua vida fora do circuito dos festivais.  

O homem em questão é Lalo (Lalo Santos), um operário que, nas horas vagas, publica vídeos eróticos amadores nas redes sociais. Ele acaba selecionado para a produção de um filme pornô, se envolvendo completamente com esse universo. Porém, quando se trata de vender sexualidade, nem tudo é prazer – e Lalo se vê confrontando seus profundos desconfortos emocionais. 

A proposta de um filme retratando um ator pornô pode parecer indecente, mas para além da polêmica, é notória a vontade de “Pornomelancolia” de construir um lugar para se falar de sexo sem apelar para imagens explícitas do ato em si. Atendo-se somente à nudez, o longa se foca na periferia da sexualidade, mostrando os momentos em que o tédio, solidão e a rotina exercem tanta (ou mais) influência na libido quanto o desejo.  

IDENTIDADE E PERFORMANCE 

No caso de Lalo, ele aparece como uma pessoa particularmente suscetível a sentir tudo isso. O filme o mostra como um gay aparentemente desconectado da comunidade LGBT em meio a um ambiente extremamente heteronormativo. Não é à toa que ele se vê atraído a transas anônimas e aos vídeos pornôs de si mesmo: eles se tornam a sua forma de viver sua identidade sexual.  

Como eles só servem para aliviar temporariamente o profundo estado de isolamento e tristeza, seu efeito é similar ao de uma droga. No afã de conseguir mais, o que Lalo começa como uma forma de expressão vira uma performance de sexualidade e também de masculinidade. Em longas sessões de fotos, Lalo se transforma em diferentes personas – operário, vaqueiro, ciclista – para atrair a atenção (e o dinheiro) de outros homens.  

RISCOS DENTRO E FORA DA TELA 

Abramovich já teria um filme competente (ainda que limitado) se focasse somente na história de Lalo, mas ele enriquece “Pornomelancolia” colocando o personagem principal em contextos além do pessoal. Em particular, o lado econômico da vida dos atores pornôs de hoje em dia – tocando nos ganhos com prostituição e no fenômeno causado pela plataforma adulta OnlyFans – ganha destaque aqui.  

No entanto, subtextos à parte, os 98 minutos de projeção do filme se arrastam, com várias cenas que se estendem e muitas que se assemelham a outras. Por um lado, essa decisão se alinha ao fato de que Lalo repete as mesmas ações – fotos explícitas, interações online com fãs, etc – na esperança de que elas provenham algo novo que o tire do seu estupor. Por outro, ela arrisca aborrecer certas partes do público.  

À época de sua estreia, o filme se tornou controverso quando Lalo comentou nas redes sociais ter se arrependido de participar da produção por conta da extrema exposição à qual se sujeitou. Abramovich deu entrevista se mostrando surpreso com essa atitude, mas há algo de empático em compreender uma pessoa não gostar de ver um lado tão cru de sua personalidade imortalizado em celuloide.  

Mesmo nesse contexto, “Pornomelancolia” merece ser visto pelo olhar ousado em cima de um personagem bastante presente na vida contemporânea – o ator pornô -, mas pouco abordado no cinema. Ao final, a nudez de Lalo que mais fica com o espectador não é a física, mas a emocional.