Logo nos primeiros minutos de Um Lugar Silencioso, vemos uma família se movendo por uma cidade abandonada, se esforçando ao máximo para permanecer em silêncio por um motivo que em breve ficará claro, e então se evidencia a proposta do diretor/co-roteirista/ator John Krasinski: ver e ouvir serão muito importantes neste filme. Pode parecer estranho, mas às vezes nos deparamos com filmes que não dão tanta atenção ao aspecto visual. Ou ao sonoro. Às vezes, cineastas – e o público – ficam tão preocupados com diálogos e convenções dramatúrgicas herdadas do teatro que esquecem que o cinema foi feito para ser visto e ouvido, acima de tudo.

E também nos esquecemos de como o silêncio pode ser uma ferramenta dramática importante; tão acostumados que estamos aos barulhos dentro da sala escura. Logo no início, um jornal levado pelo vento traz a manchete: “É o som!”, o que imediatamente dá a dica para o espectador sobre o porquê de estarmos vendo uma família se movendo pelo cenário em silencio quase absoluto. Esse momento do jornal imediatamente nos lembra de outra manchete semelhante, a que dizia “Os mortos caminham!” no início de Dia dos Mortos (1985) de George A. Romero. Esse momento situa Um Lugar Silencioso, caso o espectador ainda não saiba disso, no território do cinema fantástico, do terror, do tipo de filme onde coisas estranhas e assustadoras podem acontecer. E acontecem.

A família do filme é composta de um pai (vivido por Krasinski), uma mãe (vivida por Emily Blunt) e três filhos – um deles, a menininha (Millicent Simmonds, numa atuação muito boa), é surda. Aparentemente alguma coisa aconteceu com o planeta Terra e há umas criaturas mortíferas rondando por aí, cegas, porém capazes de encontrar e matar qualquer um que produza um som mais alto. A família vive numa fazenda e todos os detalhes do seu cotidiano, e daquele universo, nos são apresentados de maneira visual: a faixa de areia na qual eles podem pisar sem fazer barulho, os recortes de jornal reunidos pelo pai, os pequenos detalhes e regras necessárias para uma vida na qual qualquer barulho pode ser fatal.

Sendo um filme de terror, é claro que essas regras não vão proteger os personagens para sempre, mas até lá Krasinski – que além de fazer muitas coisas neste projeto, ainda contracena com a esposa Blunt – já cumpriu os deveres mais importantes de qualquer filme do gênero. Ele já estabeleceu o universo da história e suas regras, e nos mostrou personagens com os quais o público vai se importar. Ele é bem sucedido justamente onde a maioria dos filmes de terror falha.

É o tipo de filme que o M. Night Shyamalan dos bons e velhos tempos poderia ter feito: a ambientação lembra Sinais (2002), e o diretor Krasinski demonstra um domínio seguro da técnica. Às vezes ele cria uma súbita tensão ao revelar a presença de algo estranho no enquadramento; às vezes expõe o drama daqueles personagens ao deixá-los sozinhos, com a frustração de não poderem nem gritar para extravasar seus sentimentos. Há poucos diálogos, o ritmo é seguro com o filme durando certeiros 90 minutos, e há vários momentos para o espectador ficar tenso na ponta da cadeira, nos quais o diretor faz uso exemplar da velha estratégia da “pista e recompensa” – um momento envolvendo um prego estabelecido no meio do filme fica na memória do espectador. E, de acordo com os bons mandamentos do cinema fantástico, em nenhum momento se mostra o contexto pregresso daqueles personagens ou se explica direito como ocorreu a chegada daqueles monstros.

E com o tempo, a atmosfera silenciosa passa a afetar também o espectador. O design de som impressionante e imersivo, aliado à condução da própria história, nos faz prestar atenção em cada detalhe, cada pequeno ruído. Passos no chão ou barulho de água caindo adquirem uma importância tremenda.

Um Lugar Silencioso, além de um ótimo exercício de tensão, é mais um exemplar do grande momento que vive o cinema de terror atualmente. Ele junta-se a títulos como A Bruxa (2016), The Babadook (2014), Corrente do Mal (2015), Ao Cair da Noite (2017) e Corra! (2017), no tocante a usar elementos de gênero para abordar o comportamento humano frente a circunstâncias extraordinárias. Até filmes um pouco menores como O Homem nas Trevas (2016), Boa Noite Mamãe (2015), Fragmentado (2017) e It: A Coisa (2017) têm sido divertidos e/ou interessantes. E não podemos esquecer, Um Lugar Silencioso é produzido pela companha de Michael Bay, a Platinum Dunes, e pelo estúdio Paramount, o mesmo que ficou traumatizado pela recepção do público ao polêmico mãe! (2017), e que, por causa disso, recentemente jogou na Netflix outros projetos de orçamento médio e de gênero como The Cloverfield Paradox (2018) – este por ser muito ruim – e Aniquilação (2018) – este, por ser… outro divisor de opiniões.

Pois é, vivemos num mundo em que a produtora de Michael Bay realizou um ótimo exemplar do gênero terror. Em Um Lugar Silencioso, John Krasinski e sua equipe nos mostram que não é tão difícil fazer um bom exemplar do gênero. Os primeiros passos serão sempre respeitar o gênero, e também o espectador. E convidá-lo a participar da experiência… Afinal, trata-se de um dos gêneros com maior possibilidade imagética dentro do cinema; e este filme rico em imagens também nos recorda das possibilidades sonoras inerentes a ele. Como cinema é som e imagem, Um Lugar Silencioso é cinema em estado puro.