As comédias políticas são, no geral, um bom caminho para se desbravar nas produções cinematográficas, já que para cada filme acima da média, você encontra pelo menos três na via contrária. Exemplos não faltam: clássicos como Doutor Fantástico de Kubrick (1964) e o Grande Ditador (1940) de Chaplin e deliciosos quanto Bob Roberts (1992) de Tim Robbins e Mera Coincidência (1997) de Barry Levinson.  Já a grande maioria, entra sem pestanejar, no “purgatório” do esquecível como os medianos Os Homens que Encaravam Cabras (2009), A Entrevista (2014)Especialista em Crise (2015) de David Gordon Green, só para ficar restrito as produções dos últimos oito anos.

A Netflix que não é boba, já percebeu este nicho no mercado cinematográfico e observando o quanto o mundo atual hoje está politizado, resolveu investir pesado em uma grande produção escolhendo o citado subgênero para embarcar. War Machine é o ambicioso projeto da gigante do streaming, orçado em 60 milhões, lançado exclusivamente no serviço no último dia 26 deste mês e que tem no astro Brad Pitt, a figura de produtor – sua produtora Plan B, co-produz o filme – e protagonista do filme. Estranhamente é de se perguntar com todas essas características envolvidas, quais foram os motivos que levaram a Netflix a deixar a produção dirigida e roteirizada pelo diretor australiano David Michôd de fora do Festival de Cannes deste ano, preferindo Okja e The Meyerowitz Stories?

Vendo o resultado final de War Machine é fácil perceber os motivos: a produção é uma comédia política que lembra em vários momentos Três Reis, de David O. Russel.  Enquanto, o trabalho de 1999 mostrava-se conciso na sua visão sátira e crítica sobre a guerra do Golfo, a produção da Netflix, mostra-se pouco precisa em costurar o humor com a crítica ácida da guerra do Afeganistão, revelando-se uma sátira política divertida, porém, sem fôlego para se sustentar.

O roteiro escrito pelo próprio diretor Michôd é Adaptado do livro The Operators (2013), de Michael Hastings, que se baseou nas ações do General americano Stanley McChrystal no Afeganistão, exonerado da sua função após a publicação de um artigo polêmico sobre sua pessoa na revista Rolling Stone. No filme, ele foi transformado em Glen McMahon (Pitt), militar de prestígio, designado para terminar o conflito nas cidades do país, dominadas pelos insurgentes. Acreditando resolverá todos os problemas em andamento naquela terra desolada e, lógico, vencer a guerra, McMahon oscila entre o delírio de grandeza e a pura ingenuidade, pois ignora os estragos que comete.

O grande problema de War Machine são suas contradições. O roteiro inconsistente escrito por Michôd nunca acerta o tom entre a sátira, o drama e o comentário político, evidenciando situações que jamais se tornam orgânicas dentro do próprio escopo do filme. Há momentos que é visível que Michôd sai-se melhor em trabalhar situações dramáticas do que as de comédia, faltando um timing exato para conciliar estes dois tons diferentes. Isso é evidente numa cena capital do filme, quando o diretor impede que o público reflita junto com o McMahon depois dele ser questionado por uma jornalista alemã (a ótima Tilda Swinton, em participação especial), ao apresentar logo no take seguinte, uma piada que minimiza o momento intimista.  O fato de ter dirigido obras mais pesadas e densas como os ótimos Reino Animal e The Rover – A Caçada, fazem de War Machine um tiro no escuro para o australiano e seu trabalho mais irregular.

O roteiro é bem redundante em vários momentos, se alongando mais do que deveria. Suas mais de duas horas, poderiam ser enxugadas em 30 minutos a menos, já que, há diversas cenas e situações sem muita finalidade — o bloco do general com a sua esposa (a sumida Meg Tilly) funciona como desserviço para quebrar o olhar político do filme – assim como a voice over do narrador vivido por Scoot McNairy que quando aparece fisicamente no filme, tem pouca funcionalidade para o mesmo – logo ele, o personagem responsável por trazer um olhar mais coeso e crítico sobre a questão da guerra, sendo de fato, o real protagonista do projeto.

É claro que War Machine tem momentos interessantes: os bastidores da política armamentista americana geram cenas divertidas como pontualmente ácidas na ilustração das estratégias de guerra. Inclusive, há ótimos momentos que valorizam a crítica inteligente no encontro de Pitt com o presidente afegão (Sir. Ben Kingsley, soberbo) e do soldado contestador feito pelo ótimo Lakeith Stanfield, ambas sequências, ilustram o circo da propaganda militar e insinua a hipocrisia democrata americana. A forma contraditória como o texto constrói McMahon entre o caricatural (a figura do “idiota genial”), o excêntrico e o esperto, é interessante por criar um anti-herói ambíguo, porém, humano, ganhando a empatia do público.

A atuação de Pitt segue bem a essência contraditória do filme. O ator repete o estilo excêntrico mostrado nas comédias de gênero como Bastardos Inglórios – há boas semelhança do seu general com o tenente Aldo Raine –  e Queime Depois de Ler dos irmãos Coen, compondo de modo divertido os tiques e trejeitos de McMahon, contudo essa caracterização funcionaria melhor em uma comédia absurda ou surreal – como o citado Dr.Fantástico – não condizendo com o universo de guerra. Ainda assim, é graças ao carisma do astro que se cria uma inesperada empatia do personagem junto ao público.

Mesmo com estes argumentos, é uma pena que War Machine nunca aprofunde seu discurso interessante sobre as motivações políticas e econômicas em torno da guerra do Afeganistão. O seu roteiro nunca define o ponto de vista daquilo que pretende satirizar. Temos diversos posicionamentos, personagens e situações que são incapazes de uma propor uma reflexão sobre a temática. É um filme que provoca mais riso do que reflexão, elemento este que deveria ser o principal combustível.  De resto, War Machine mesmo ambicioso, aponta que ainda não é o grande filme que se espera da Netflix em comparação as suas séries e documentários de qualidades inquestionáveis. Até mesmo a milionária máquina de guerra do streaming, pode apresentar peças desajustadas e ser falível.