“O jogador de futebol morre duas vezes. A primeira, quando para de jogar”.

A frase de Paulo Roberto Falcão, ídolo do Internacional, Roma e Seleção Brasileira, exemplifica bem o dilema enfrentado por esportistas, não apenas do futebol, sobre o desafio da aposentadoria. Como ter a vida ‘normal’ de bilhões e bilhões de pessoas após conhecer o gosto da glória trazido por vitórias e emoções gigantescas? Saber entender o momento de parar e qual o seu papel dali em diante torna-se um desafio tão proporcional a um partida contra o maior rival.

O mote de “Carros 3” ao colocar Relâmpago McQueen sofrendo para conseguir acompanhar os veículos mais modernos, especialmente, Jackson Storm, cai como uma luva para a Pixar em relação à série. De todos os sucessos do estúdio de animação da Disney, “Carros” é, de longe, o menos brilhante. O intuito do estúdio, porém, parecia apenas lucrar com a venda de produtos licenciados, deixando qualquer qualidade artística em segundo plano.

Verdade que o terceiro filme consegue ser bem melhor do que o anterior por motivos de não ter como piorar. O roteiro comove na abordagem sobre o fim da carreira do então herói ao tentar prolongar o inevitável e ver velhos amigos se aposentando. É inevitável lembrar casos dos encerramentos de brilhantes atletas como Ronaldo Fenômeno, Gustavo Kuerten e a fase beisebol de Michael Jordan, quando os três eram uma pequena sombra daquilo que um dia foram.

“Carros 3” ainda acerta ao mostrar como o esporte cada vez mais se prende à tecnologia e a frieza da informação dos números em vez da vivência dentro do circuito, quadra ou campo. O choque do ambiente estéril dos grandes complexos de treinamento em contraste às cores da praia ou a sujeira da pista de lama mostra que o talento está muito além de ter em mãos uma grande quantidade de dados científicos ou receber um treinamento emocional mais adequado, mas, também, na habilidade de se arranjar soluções improváveis em momentos difíceis. São os casos, por exemplos, das belas manobras feitas por Doc Hudson (aliás, comovente a bela reverência da produção ao utilizar o personagem para homenagear o eterno Paul Newman) e pela novata Sally Carrera com apoio de McQueen. Um tapa na cara de um mundo que vê os fracos Jenson Button e Nico Rosberg campeões mundiais de F-1.

Apesar de tudo isso, “Carros 3” nunca empolga. Há uma constante sensação de que tudo já foi visto: as cenas de corrida, os alívios cômicos bobinhos de Mate, os treinamentos em pistas batidas. Até aquelas sacadas das profissões em forma de carro apresentam algo novo. Mesmo os belos efeitos especiais com os cuidados nos detalhes como a sujeira na pista ou a impressionante passagem do caminhão transportando McQueen pelas estradas dos EUA com tudo soando quase como real chegam a animar o público. A presença de figuras conhecidas da televisão como dubladores (Fernanda Gentil, Silvio Luiz, Everaldo Marques, Rômulo Mendonça – exceção fica por conta de Giovanna Ewbank, um verdadeiro horror na função) até dá uma leve acordada, mas, no geral, o filme resvala mesmo no tédio.

Mais do que para o público, a lição moral deixada por Relâmpago McQueen serve como uma luva para a Pixar em relação à série: chegou a hora de aposentar a série “Carros”.