Luca Guadagnino dá o recado nos primeiros segundos de “Rivais”: cada gota de suor, cada cicatriz, cada olhar e cada feixe de luz carregam bem mais do que aparentam. O que parece uma partida qualquer entre um dos melhores tenistas do mundo e outro que não consegue alcançar nem o top 200 é, na verdade, um jogo de vida ou morte para quem está na quadra, e de manipulação e sedução para quem assiste. 

Precisei me controlar para não fazer nenhum trocadilho com tênis (até porque, a esta altura, todos já devem ter sido feitos), mas não ceder a essa tentação é tão difícil quanto não se envolver com a paixão com que Guadagnino filma os entrelaçamentos dos caminhos de Tashi (Zendaya), Patrick (Josh O’Connor) e Art (Mike Faist). Ela, uma tenista promissora que precisa parar de jogar após uma lesão grave no joelho. Eles, jogadores em lados completamente opostos de suas carreiras: enquanto Art caminha para ganhar o único Grand Slam que lhe falta, Patrick é o que se chama no circuito de journeyman, o tenista que precisa jogar em trocentos torneios para alcançar um ranking que lhe permita entrar em um outro torneio para conseguir uma vaga em um Grand Slam (ufa). 

A estrutura proposta pelo roteirista Justin Kuritzkes coloca a história do trio em flashbacks emoldurados por um grande jogo de três sets, que culmina no mais intenso dos tie breaks. Guadagnino brinca com o espectador em uma trama tão imprevisível quanto inevitável. A ambientação do filme em um torneio challenger representa um desafio pessoal para cada um dos personagens. 

Art quer ganhar confiança e acumular vitórias para chegar ao US Open com a cabeça no título. Patrick quer simplesmente ganhar o dinheiro da partida do dia e ter onde dormir. O primeiro aparece para jogar vestido da cabeça aos pés com a roupa impecável, todos os patrocínios em dia, e tem a cadência visivelmente inspirada em Roger Federer. O segundo tem o visual displicente, não tem patrocinador nem em sua raquete, e não parece ser um talento desperdiçado – o que é aquele saque? 

E o que quer Tashi? Quem é Tashi? Esse é o grande ponto de encantamento no filme, tanto para os personagens, quanto para Guadagnino. Como resultado, nós, espectadores, também ficamos hipnotizados pelo trabalho de Zendaya, que surge aqui bem diferente dos papéis juvenis que a marcaram no MCU e na série Euphoria. Tashi comanda o jogo, ainda que não esteja mais dentro da quadra. A personagem entende que o esporte é a síntese de todos os seus relacionamentos, e é interessante ver uma construção tão complexa em uma mulher.

Sentada em uma cadeira desconfortável por horas a fio, assistindo a um jogo meia boca, Tashi centraliza todos os conflitos. Ela se estimula com cada ponto bem jogado – ainda que esse ponto não tenha sido finalizado por ela, foi ela que o construiu.

E é nessa dança que Guadagnino constrói um filme sensual e por vezes também debochado. É até surpreendente que “Rivais” não mostre nenhuma cena de sexo – e que a maioria das que iniciam no filme são interrompidas por tédio ou irritação de um dos envolvidos -, porque a atmosfera construída faz com que a gente sinta que viu algo extremamente íntimo por mais de duas horas.