Faltando menos de 24 horas para a implantação do quarto ciclo de reabertura econômica, o governo do Amazonas divulgou alterações no decreto para a reabertura dos cinemas em Manaus. Agora, as salas de exibição terão autorização para reabrir somente a partir de 1º de setembro.
A nova decisão expõe a completa aleatoriedade das decisões relativas à retomada das atividades, além de deixar muito claro como a economia relacionada à cultura está em último plano.
CRITÉRIOS QUESTIONÁVEIS
Que fique muito claro: evidente que a reabertura de cinemas e teatros precisa estar na última etapa de qualquer processo de retorno das atividades pela simples questão da aglomeração de pessoas ser intrínseco a estes espaços, muitos deles, em locais fechados. As exigências sanitárias e o cuidado nesta retomada precisam ser muito rigorosos. Por isso, critiquei a retomada estabelecida já para o dia 6 de julho anunciada em uma época em que Manaus registrava altos índices de casos e mortes por COVID-19 e não dava sinais claros de arrefecimento.
Adiar não é necessariamente o problema, afinal, ir ao cinema não parece ser a coisa mais prudente a ser feita em 2020 – assim como ir na academia, barzinho, restaurante, salão de beleza, sala de aula, mas, divago com a paranoia da COVID…
O absurdo nesta alteração do decreto está na completa falta de critérios claros e explicações sobre como se chega a determinadas decisões e se escolhe um ou outro setor para abrir ou seguir fechado. Enumero algumas delas:
- Qual o critério que permitia, no fim de maio, estabelecer o retorno dos cinemas para o dia 6 de julho e, agora, quando temos dias em que não há óbito, adia-se por dois meses?
- Por que o retorno dos cinemas em Manaus será depois de São Paulo (previsto para ocorrer no fim de julho), cidade em que a pandemia se encontra atualmente em um estágio pior que da capital amazonense?
- Por que clubes e boliches – locais frequentemente feitos em ambientes fechados – abrirão às portas semanas antes – dia 17 de agosto – dos cinemas e teatros? Isso para não falar dos bares com música ao vivo…, mas, deixa para lá.
CULTURA COMO ECONOMIA: SEGUNDO PLANO SEMPRE
Acima de tudo, porém, a mudança deixa claro como o setor cultural está longe de ser pensado como uma economia de mercado, geradora de empregos e renda, pagadora de impostos. Afinal, como se preparar de uma forma profissional mínima se a regra altera em cima da hora? Tal fato seria impensável e motivo de grandes protestos, por exemplo, no setor de indústria, restaurantes, escritórios de contabilidade ou academias.
Durante a última semana, conversei com o João Fernandes, proprietário do Casarão de Ideias, para saber como estavam os preparativos para a retomada das atividades. O cinema teria as primeiras sessões a partir da quinta-feira, 9 de julho, seguindo o decreto estabelecido do governo do Amazonas de reabertura das salas de exibição para o dia 6/7.
O contato com as distribuidoras estava em andamento para a definição dos filmes assim como todos os procedimentos sanitários dentro e fora da sala já estabelecidos. Além disso, uma exposição no segundo piso do espaço cultural, localizado na Rua Barroso, estava prestes a ser aberta ao público, respeitando, claro, o controle de pessoas no espaço.
Agora, tudo parou.
Falando especificamente da área de cinema, não será apenas o Casarão de Ideias que terá que mudar seus planos: as grandes redes dos shoppings de Manaus também precisarão se adaptar completamente às novas datas. Como trazido com exclusividade pelo Cine Set, as empresas cogitavam o reinício entre o final de julho (Cinépolis, Kinoplex) e segunda quinzena de agosto (Playarte e Cine Araújo), o que poderia ser adiantado com o possível retorno das atividades em São Paulo, principal centro comercial do país, marcado para última semana deste mês.
A retomada serviria para reativar contratos de empregos suspensos desde março, quando o início da pandemia provocou a interrupção das atividades dos cinemas. Foi o que afirmou que a representante do setor administrativo do Cine Araújo, Ana Paula Trindade, para o Cine Set.
Para espaços como o Casarão de Ideias, Ateliê 23 e outros pontos culturais amazonenses, restará aguardar a liberação das verbas da Lei Aldir Blanc para que sobrevivam por mais alguns meses. Ainda assim, a visão da cultura como um pilar importante da economia de uma cidade e Estado está longe de acontecer, como apontou João Fernandes em entrevista recente ao Cine Set:
“As esferas municipal, estadual e federal pensam na cultura mais como uma questão social e menos econômica. Não é que a gente tenha que ser um produto ou mercado, mas, por exemplo, o Casarão é um espaço cultural, uma microempresa que gera renda, paga seus funcionários. Neste momento, vimos muitos grupos sem reserva econômica, capital de giro. As fragilidades ficaram visíveis. Isso respinga na falta de uma política pública federal, na total ausência do olhar sobre a cultura, o que faz a situação se agravar. Na Europa é diferente: eles percebem como a cultura é economia para o turismo e outros setores. Isso reflete nos planos de reabertura: só tem os cinemas e nada diz dos equipamentos culturais. Por que uma loja de camisa está aberta e um equipamento cultural não? Este é um tipo de reflexão a ser feita por todos. Agora, vamos viver em um estado de alerta. A partir de agora, não podemos pensar que isso não acontecerá de novo. Teremos que ter uma disciplina oriental”.
REABERTURAS EM MANAUS E NO RESTO DO MUNDO
Manaus terá um período de reabertura dos cinemas mais demorado do que visto em outros locais ao redor do planeta. No dia 29 de maio, a capital registrou 1.723 casos novos de COVID-19, maior índice em um único dia desde o início da pandemia, segundo a Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas. Serão mais de três meses desta data para a retomada prevista das salas de exibição.
Primeiro epicentro da COVID-19 na Europa, a Itália registrou o ápice de novos casos no dia 21 de março. Pouco menos de três meses depois, os cinemas do país voltaram no dia 15 de junho. A Espanha teve o pico do novo coronavírus no dia 26 de março e as primeiras salas de exibição retornaram em 25 de maio, ou seja, dois meses depois.
Alemanha (1,5 mês), Coreia do Sul (2 meses), Bélgica, França e Reino Unido (2,5 meses) também tiveram um intervalo menor entre o pico de novos casos com a data de reabertura dos cinemas, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.
“TENET” E “MULAN”: ESTREIAS EM RISCO
Por fim, para os fãs de blockbusters, a alteração na data de reabertura dos cinemas em Manaus pode provocar uma espera ainda maior nos lançamentos de dois dos filmes mais esperados de 2020: “Tenet” e “Mulan”.
A versão live-action de “Mulan” está prevista para estrear no Brasil no dia 20 de agosto, enquanto o novo filme de Christopher Nolan (trilogia “Batman: O Cavaleiro das Trevas” e “Dunkirk”) chega Ao país no dia 27 de agosto. Desta forma, Manaus ficaria fora dos lançamentos nacionais de ambos os filmes, de acordo com as regras do decreto, agora, alteradas.
Ainda em agosto, estão previstas as estreias do terror sul-coreano “As Faces do Demônio” (20/8) e “M8 – Quando A Morte Socorre” (27/8), suspense brasileiro dirigido por Jeferson De, de acordo com o site Filme B.