Muitas pessoas costumam ter preconceito com filmes de ação, e eu sempre respondo a isso dizendo “ora, ação É cinema”.  Mostrar ação, movimento, está dentro da própria definição do cinema e também é, indiscutivelmente, a coisa que o cinema faz melhor que qualquer outra arte.

Ao longo das décadas, alguns nomes entenderam isso: Buster Keaton, Bruce Lee, Jackie Chan, John Woo, William Friedkin nas sequências de perseguição de Operação França (1971). Steven Spielberg quando filmou Indiana Jones a cavalo, perseguindo um caminhão, em Os Caçadores da Arca Perdida (1981), as Wachowskis em Matrix (1999). George Miller em Mad Max: Estrada da Fúria (2015) – sério candidato a melhor filme desta década, em minha opinião.

Claro, muitos filmes de ação são umas porcarias. Mas o mesmo não pode ser dito da maioria das comédias, suspenses, dramas? E, de vez em quando, aparece um filme que… entende.

O que nos traz a John Wick: quando o assassino interpretado por Keanu Reeves saiu da aposentadoria no primeiro filme da franquia em 2014 – porque mataram seu cãozinho, o último presente da sua falecida esposa – o mundo prestou atenção. Ali tínhamos um filme B – outro conceito mal interpretado por aí – que demonstrava amor e filiação a filmes noir, a John Woo e Jean-Pierre Melville; estrelado por aquele que é provavelmente o maior astro da história do gênero depois de Bruce Lee; e cujas cenas de ação pareciam uma reação ao que estava em “moda” na época. Em John Wick: De Volta ao Jogo, não havia um corte a cada 2 segundos; a ação era encenada em frente à câmera, quase sempre com Reeves em foco; havia pouquíssima computação gráfica; e a câmera não tremia de jeito nenhum. Você via tudo. Cada tiro, cada proeza, tinha impacto.

Em suma, era algo pelo qual os fãs do gênero estavam famintos e nem percebiam. Hoje, Wick chega ao terceiro capítulo da sua saga aprimorando a sua filosofia cinematográfica e com a força de um dos filmes-pipoca mais aguardados do ano. E não decepciona…

Em John Wick 3: Parabellum, o herói já começa em fuga, caçado por dezenas de assassinos que querem a recompensa de 14 milhões por sua cabeça após os eventos do estiloso e também incrível capítulo anterior. A primeira meia hora é só ação: Wick usa um livro, facas e cavalos para dispensar seus inimigos. A ação adquire quase um caráter formalista, bastando-se em si mesma. A narrativa é concebida com a ação em mente e não o contrário, a história do filme é contada pelos tiroteios e lutas. Alguns podem dizer que o roteiro é raso, e estariam certos, entretanto, aqui, o que importa é a imagem, o movimento, o estilo. Bem… quem disse que estilo não importa no cinema?

 GENE KELLY DA AÇÃO

Enfim, Wick foge para Casablanca à procura da única opção de salvação. No caminho, cruza com mais membros da sociedade secreta de assassinos, entre elas, a imponente chefona vivida por Anjelica Huston (é bom revê-la na telona!) e a poderosa Sofia (Halle Berry), quase uma versão feminina do herói. E aí cabe um parêntese: Casablanca, o filme, também era considerado um filme B pelo estúdio Warner enquanto era produzido. A ida de Wick até lá não parece coincidência…

Completando o elenco, vemos os veteranos da franquia Lance Reddick e o grande Ian McShane tendo participações maiores neste terceiro capítulo, além de outro veterano do gênero, o quase esquecido ator de filmes de ação B dos anos 1990, Marc Dacascos, roubando algumas cenas com sua divertida atuação como o principal algoz de Wick. Yayan Ruhian, ator indonésio que participou de outro marco recente do gênero, Operação Invasão (2011), também divide a tela e luta com Reeves. Faz parte da experiência essa celebração do gênero – há até referências a Matrix, a mais divertida traz Reeves reutilizando uma famosa fala do seu maior sucesso.

E quanto a Reeves… bem, o papel de John Wick parece a culminação de toda a sua carreira. Frequentemente acusado de ser mau ator, Reeves chega ao auge dos seus 30 e poucos anos nas telas nos seus próprios méritos, exigindo muito de si mesmo – ele faz quase tudo no filme – e demonstrando entusiasmo pelo personagem e pela franquia. Suas falas são lacônicas, sua postura e seu rosto adquiriram um ar grave com o tempo, ele faz o filme. Como um Gene Kelly armado e muito perigoso, Reeves entrega um musical à sua maneira – filmes de ação e musicais têm muito em comum, quem gosta de um gênero deve gostar do outro.

ÓPERA DE TIROS E PANCADAS

John Wick 3 é, assim como seus antecessores, uma experiência estética. É um filme em que tudo contribui para o estilo, para estabelecer o mundo diferente em que se passa a história: o design de produção cria cenários belíssimos, como aquele cheio de vidro no qual Reeves luta com vários oponentes, incluindo Dacascos; e várias cenas deixam o espectador com a verdadeira pergunta “Como fizeram isso?” na cabeça, como a perseguição de motos. E esta terceira parte amplia ainda mais a ironia presente na franquia, a de que o mundo cheio de regras – “elas nos separam dos animais”, diz Winston, personagem de McShane – na verdade não disfarça a hipocrisia do comportamento animalesco daquele universo.

É raro o terceiro filme de uma franquia de cinema não perder o fôlego, mas John Wick ainda tem muitos cartuchos para disparar – o segundo ainda é o meu favorito da saga, mas como um todo, ela possui uma consistência meio difícil de ser ver em Hollywood. E a cada vez que Wick dispara sua arma ou luta com alguém, uma pontadinha de prazer visual bate forte no coração de quem admira um bom espetáculo e compreende e valoriza a arte e a técnica presentes ali. É um filme irreal e irônico, uma ópera com tiros e pancadas no lugar do canto, e determinado na sua busca pelo visual, pela excitação do cinema.

Não faz você refletir sobre a vida ou nada parecido, mas… poxa, tem umas grandes imagens e coisas que se precisa ver para crer. Às vezes, isso basta.