Se cada filme reflete a época em que foi feito, os longa-metragens do Quarteto Fantástico no cinema, pelo menos, servem para traçar as mudanças experimentadas pelos filmes de super-heróis ao longo das décadas. O primeiro, feito em meados dos anos 1990 e nunca lançado, foi realizado quando esse tipo de filme ainda era uma anomalia meio incompreensível, e como foi feito com um orçamento de churrasco de fundo de quintal, trazia efeitos técnicos primários e narrativa constrangedora. Depois, os dois filmes feitos na década passada pelo estúdio 20th Century Fox já vieram quando os super-heróis começavam a se tornar uma força dentro de Hollywood. O primeiro fez sucesso com um tom muito leve, bobo e familiar, e foi feito numa época em que os heróis ainda não eram levados tão a sério nas telas – e o segundo, lançado quando essa seriedade já demonstrava sua força, foi criticado, apesar de outros problemas, justamente pelas mesmas características que fizeram do anterior um sucesso.

E este novo Quarteto Fantástico da Fox tenta seguir a mais recente tendência, a de fazer uma versão mais “séria”, “realista” e “sombria” do filme de super-herói – uma reinvenção que tem aspectos em comum com o recente renascimento do Homem-Aranha no estúdio Sony. O filme do Quarteto chega marcado pelos seus tumultuados eventos de bastidores, com acusações de comportamento instável sobre o diretor Josh Trank e rumores de interferência do estúdio, com cenas sendo refilmadas e mudanças na montagem. O resultado final é sombrio apenas por causa da fotografia escura do filme, e a seriedade engessa a produção e retira todo o senso de diversão pelo qual o Quarteto, o primeiro supergrupo de heróis Marvel, se tornou conhecido.

O filme reconta a origem do Quarteto, ao mesmo tempo em que rejuvenesce os personagens. Assim vemos Reed Richards e seu amigo Ben Grimm se conhecendo ainda na infância, e a cena em que os dois dão vida ao experimento de Reed se constitui no único momento da história capaz de transmitir um senso de deslumbramento. Depois, já adolescentes, Reed (Miles Teller) e Ben (Jamie Bell) acabam chamando a atenção do cientista Franklin Storm (Reg E. Cathey), que pesquisa um tipo de viagem interdimensional capaz de transportar os astronautas a… um planeta deserto e pedregoso! Junto com os filhos do cientista, Sue (Kate Mara) e Johnny (Michael B. Jordan), eles sofrerão um acidente com a energia inexplicável do planeta (e do roteiro), e ela os deixará com seus poderes extraordinários.

Ou grotescos, dependendo do gosto de cada espectador. No fundo, este Quarteto Fantástico é mais uma comprovação de que uma estética repleta de “seriedade” e “escuridão” em demasia não combina muito com a maioria dos super-heróis dos quadrinhos. As cenas que mostram os personagens experimentando seus novos poderes, com Reed sendo capaz de esticar seus membros (!) ou Ben sendo transformado na criatura de pedra conhecida como Coisa possuem um senso de horror corporal à la David Cronenberg. Trata-se até de uma visão interessante, mas que não combina com o Quarteto. No leitor de HQs, esses personagens despertam o senso de aventura e exploração e o valor da família, e não o medo ou nojo.

O resultado é o de um filme sem alma que nunca desperta grandes emoções, apenas o tédio. Depois de um início interessante, o roteiro usa a juventude dos personagens como desculpa para fazê-los cometer um ato realmente estúpido, que resulta no seu acidente. Esse mesmo roteiro também subestima demais a inteligência do espectador, recorrendo a clichês para apresentar seus personagens: o futuro vilão é visto pela primeira vez envolto em escuridão, e o rebelde Johnny é mostrado disputando um racha.

E vale lembrar o nome dado ao mundo pedregoso da trama: “Planeta Zero”, a mais preguiçosa e sem vergonha denominação planetária de todos os tempos. Assim, a longa preparação de terreno para a origem do grupo se estende até um terceiro ato ao mesmo tempo apressado e bagunçado, com direito a um vilão com motivações mais rasas que um pires e aparência que faria vergonha até num episódio de Power Rangers – o visual do Doutor Destino, vivido por Toby Kebbell, é embaraçoso e sem imaginação. A bagunça é tanta que – SPOILER – uma morte que deveria emocionar os heróis acaba passando batida em meio à confusão.

E o aspecto de família no filme seria quase inexistente, não fosse a boa atuação de Cathey como figura mentora – é o único ator do longa que mantém sua dignidade até o final, pois as demais atuações até pioram com o decorrer da história. A dinâmica familiar é prejudicada também pela química quase ausente entre o elenco, salvo alguns momentos entre Bell e Teller – aliás, o drama do Coisa, condenado a viver com a aparência de pedra, é esquecido no final do filme.

Ao fim de tudo, a busca por realismo só deixa as coisas mais estúpidas, com os poderes dos heróis sendo “explicados” no contexto do acidente e o Coisa aparecendo sem usar calças, em nome da “seriedade”. A intenção original dos realizadores parecia realmente ser esta: uma visão estilo Nolan direcionada a alguns dos mais icônicos heróis dos quadrinhos. Mas alguma coisa se perdeu no meio do caminho, seja por interferência do estúdio ou incompetência dos realizadores (ou ambas, o que é mais provável) e o resultado é este produto vazio que acaba provocando enfado e, ocasionalmente, alguns risos involuntários. Há poucas qualidades neste Quarteto que sugerem que coisas melhores poderiam ter saído daqui: algumas das interações entre os membros do elenco e alguns dos efeitos e ideias. Mas nada evita que o longa se torne um retrocesso na evolução dos filmes de super-heróis, e essa mesma evolução dita que este Quarteto Fantástico é o pior filme do seu tipo em muito tempo.