Embora certamente não seja perfeito, o chamado teste de Bechdel é uma ferramenta útil para se ter uma ideia de como a mulher é representada em boa parte das produções da indústria cinematográfica. Criado pela cartunista americana Alison Bechdel, o teste consiste em verificar se um filme atende a três regrinhas básicas: (1) ter, no mínimo, duas mulheres, ambas com nomes; (2) essas mulheres conversam uma com a outra; (3) e a conversa delas é sobre alguma coisa que não seja um homem.

Agora pare pra pensar: quantos filmes realmente conseguem seguir todos esses requisitos? Não que o teste determine se um filme é bom ou não, mas, numa visão geral, ajuda a perceber o quanto as mulheres são relegadas a papéis secundários e o quanto o cinema ainda é, em boa parte, feito de homens para homens.

Logo, quando “Os Homens São de Marte… e é Pra Lá Que Eu Vou” apresenta sua protagonista como uma mulher forte, moderna e bem-sucedida, poderia se esperar que talvez o filme fosse um candidato a passar no teste com louvor, se não fosse por um simples detalhe: Fernanda vive basicamente em função dos homens que encontra em sua vida. Suas decisões e seu comportamento são influenciados pelos seus namorados, suas conversas são sobre suas paqueras, sua vida profissional pode ser deixada de lado por causa de uma paixonite e até a senha do seu notebook é “mulher amada” – além das almofadas brilhantes gritando “Love” no seu apartamento.

Baseada na peça de sucesso de Mônica Martelli, que aqui revive a personagem, a comédia conta a história da já mencionada Fernanda, que, embora trabalhe como organizadora de casamentos, está longe de ter o seu. Em crise com a solteirice e com a proximidade dos quarenta anos, ela se empenha na busca pelo seu grande amor, e no caminho encontra vários tipos, desde o natureba exótico ao milionário aventureiro, arranjando muita confusão. Se a sinopse parece clichê de comédia romântica, não se engane: é isso mesmo.

Mas o grande problema é que nem mesmo o imenso carisma ou o bom timing cômico de Martelli conseguem esconder que, no fundo, falta personalidade à sua personagem. Quando ela sai com um milionário (Humberto Martins), ela se transforma na aventureira aberta a fetiches (ou nem tanto); quando é com o senador (Eduardo Moscovis), ela é a mulher séria e politizada; e com o gringo alemão-baiano (Peter Ketnath), ela é ligada na natureza, disposta até a enfrentar uma rotina sem vaso sanitário. Cada novo namorico redefine Fernanda, e a pose de mulher forte e independente se desmonta diante de nossos olhos.

Basta ver como, apesar da cara de moderninha, a protagonista apenas realça o lado conservador da produção toda vez que, a cada novo encontro, ela pensa “eu não vou dar pra esse cara, acabei de conhecer”. Nem precisa dizer o que (claro!) acontece depois, e também não é surpreendente que, quando o relacionamento dos sonhos enfim engata, um dos motivos é porque Fernanda não se entregou no primeiro encontro e escolheu esperar.

Esse lado convencional também percorre o filme através da direção de Marcus Baldini. Se em Bruna Surfistinha o diretor conseguiu fazer um bom trabalho, aqui ele se entrega apenas à burocracia de realizar mais uma comédia do “padrão Globo Filmes de qualidade”. Aqui e ali surgem alguns lampejos mais interessantes, como o raccord envolvendo duas placas de carro para indicar uma viagem, mas esses momentos são raríssimos. No mais, o que se vê é o trabalho com cara de novela, em que todos estão sempre devidamente bonitos e maquiados, não há sujeira na tela, está tudo sempre bem iluminado e, como não se trata de um filme-favela, os personagens estão todos muito bem de vida, obrigado. Claro que alguns desses elementos ajudam a definir bem certas coisas, como o design do apartamento de Fernanda, que reflete o seu lado esotérico e sua solidão.

Para compensar, o filme, pelo menos, tem momentos que conseguem fazer rir, ainda que ingênua ou timidamente, o que o salva de ser um desastre total como as novas comédias escrachadas à lá “Todo Mundo em Pânico”. Cenas como a gag que se passa em uma exposição de arte e a sequência de covers de Lulu Santos garantem o riso, mesmo que com um pé atrás. Boa parte dessas cenas bem-humoradas também conta com a participação dos amigos de Fernanda, vividos por Paulo Gustavo e Daniele Valente. Se Paulo Gustavo não é um bom ator, pelo menos ele é um comediante com bons momentos, ainda que muitos de seus personagens se repitam; aqui, seu personagem Aníbal é o típico amigo gay estereotipado que serve apenas como alívio cômico – outro aspecto um tanto quanto conservador da produção, se pararmos pra pensar –, mas ao menos é eficiente.

No fim das contas, porém, “Os Homens São de Marte…” é apenas uma produção inofensiva (ou nem tanto, visto os valores morais em que é calcada), que busca arrancar o riso de forma fácil com sua dose de clichês. Claro que consegue, como boa parte das comédias brasileiras que atingem o grande público, mas definitivamente não traz nada de novo. Pelo contrário: Fernanda é apenas mais uma mulher na ficção que vive exclusivamente com o objetivo de casar com um homem. Eu, particularmente, acho que mulheres podem ser bem mais do que isso.

os homens são de marte e é pra lá que eu vou mônica martelli