Dramas LGBTQ sobre a descoberta da sexualidade e a romantização da saída do armário são os tipos mais comuns de filmes que rondam pela indústria cinematográfica tentando espaço entre muitos outros grandes filmes comerciais. Algumas vezes, causam uma leve explosão. Mas, na maioria das tentativas, essas produções são forçadas a cair no limbo dos filmes com temáticas repetidas e esquecíveis. Isso se dá pela forma como essas tramas construídas, enredos fracos e personagens estereotipados estão entre a gama de possibilidades que fazem desses filmes peças de um mundo alternativo. Embora, esse viés seja um emaranhado de tentativas, sempre surgem novas possibilidades e histórias que saem da caixa e apostam em propostas ousadas. Esse é o caso de Thelma, novo filme de Joachim Trier – um estranho filme psicológico que segue uma jovem cuja sexualidade crescente está ligada a distúrbios paranormais.

Thelma (Eili Harboe) é uma jovem tímida que acabou de chegar à universidade em Oslo, deixando para trás seus dois pais mais protetores e muito religiosos: Trond (Henrik Rafaelsen) e Unni (Ellen Dorrit Petersen), que têm um hábito exasperante de monitorá-la, inclusive suas solicitações de amizades no Facebook. Thelma é solitária e, como muitos estudantes longe de casa pela primeira vez, está sempre suprimindo sentimentos de ansiedade e pânico. A independência do adulto a assusta, e há evidências de que ela também suprimiu as memórias de sua infância.

Todas essas angústias e medos são parte da realidade em que Thelma tem que conviver todos os dias, mas seu maior pânico é descobrir que sente atrações pelo sexo oposto. Esse poderia ser mais um filme sobre essa descoberta, mas ele vai muito além disso. É uma jornada psicológica que revela, quase explicitamente, alegorias sobre como seria se a homossexualidade fosse tratada como doença. Isso porque todos esses sentimentos contidos causam perturbações fisiológicas e cósmicas intensas. Thelma sucumbe ao que se parece com episódios epilépticos. Então, coisas estranhas acontecem. Ela percebe que tem o poder de convocar ou coagir pessoas ou objetos entrando em estados eróticos de trance que se parecem com auto-dano psíquico.

O filme ousa ainda mais ao retratar essa libertação do armário com a libertação religiosa. Para Thelma, aparentemente, o maior medo é morrer no pecado. Seus dogmas religiosos ainda são o que mantém preso suas vontades e desejos, principalmente os sexuais. Quando se livra de suas amarras (religiosas), ela se sente livre para ser quem gostaria. Essa investida do diretor e do escritor são uma forma de mostrar como ainda precisamos refletir no Brasil dramas nesse sentido – pois tal ato parece ser ousado demais num país que ainda reluta para se engajar em pautas LGBTQ.

Thelma é um exemplo de um tipo de filme de fantasia/ficção científica, o tipo de filme que trata claramente de alegorias e é eficaz apenas na sua superfície. Por esse motivo, o que deixa a desejar no filme é uma profundidade maior do enredo e da forma como ele lida com esses eventos estranhos. À medida que os aspectos estranhos de sua história provocam, o filme consegue se perder tramas dos seus próprios mitos. Prevalecendo, nesse sentido, uma história que conta, mas não argumenta. Item, que para os filmes de fantasia/ficção científica, é fundamental.

As cenas funcionam de forma lenta e efetiva em seu próprio ritmo, revelando imagens impressionantes sem depender de grandes investidas da fotografia ou técnicas surpreendentes. O desempenho de Harboe é bastante forte, e mesmo tendo 22 anos quando o filme foi filmado, ela parece muito mais nova. O que retrata melhor a realidade das universidades atuais, pois na maioria das vezes “as meninas da faculdade” nos filmes parecem ser mais adultas e experientes, quando, na realidade, cada vez mais temos pessoas mais novas que parecem surfar entre o medo e a confiança da vida adulta.

É notável que Thelma tenha saído no mesmo ano que Raw (Julia Ducournau) e Mother! (Darren Aronofsky), outros dois filmes em que mulheres jovens lidaram com seus poderes inexplicáveis. Há certamente diferenças entre os três (e eu amo cada um por motivos distintivos), mas a técnica visual fresca e segura de Trier tem a vantagem sobre o estilo de veracidade de Julia Ducournau ou os fogos de artifício internos de Darren Aronofsky. Se alguém assistisse todos os três filmes – e essa seria uma característica infinita – Thelma certamente é a que merece concluir a trilogia. Este não é exatamente um filme fácil, mas mostra como a força e a honestidade são frequentemente as únicas formas de vencer as amarras para expulsar os demônios interiores e se tornar livre/feliz consigo mesmo.